A prática da Importação Paralela à luz do Direito Marcário Brasileiro (Parte 1)

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1-Introdução

O regime de proteção à marca confere ao seu titular um di­reito de exclusividade no uso de tal sinal, cujo alcance abran­ge os limites do território nacional. Com isso, pode o proprie­tário tomar medidas contra aqueles que usem sua marca de modo não autorizado, de forma a zelar por sua integridade e reputação. No entanto, tal exclusividade encontra limites na legislação nacional. O limite que aqui interessa diz respeito à capacidade do titular da marca de controlar a comerciali­zação de seus produtos marcados, após tê-los colocado no mercado. A exceção à exclusividade da marca constante de tal limitação é denominada como princípio da exaustão dos direitos daquele proprietário em relação ao seu sinal. Isto é, uma vez tendo o titular da marca colocado o seu produto no mercado, ele perde, a partir de então, o controle sobre as revendas subsequentes de seu bem, esgotando-se os seus di­reitos de exclusividade, de modo a privilegiar a livre circulação de mercadorias, sob a condição de que a primeira venda tenha sido feita pelo próprio titular ou por outrem autorizado.

É justamente esse princípio da exaustão que irá fornecer a base legal para analisar a licitude da prática denominada "importação paralela", dado que são três as possíveis dimen­sões geográficas de tal princípio: nacional, regional ou inter­nacional. Cada uma reflete uma diferente abordagem sobre até onde se estendem e onde se limitam os direitos do titular da marca após a primeira venda de um produto. A depender de qual seja a escolha do legislador, garante-se ao titular a prerrogativa de impedir aquelas importações, feitas de modo alheio à sua rede oficial de distribuição, que não foram por si autorizadas.

A dinâmica da globalização e o incremento das trocas in­ternacionais de mercadorias colocam a importação paralela como um tópico de inegável relevância. A sua regulação efi­caz é uma tarefa complexa que exige um balanço entre os di­reitos dos titulares de marcas e a promoção de um ambiente de mercado dinâmico, de constante transformação. Por esse motivo, embora a importação paralela não seja um tema recente, é certo que está longe de ser pacífico. Enquanto uns acreditam conferir a lei o poder ao titular de impedir essas importações, outros defendem o contrário. Diante dessa con­trovérsia, tanto doutrinária quanto jurisprudencial, busca-se com o presente trabalho analisar esse polêmico fenômeno e chegar à conclusão sobre qual foi o tratamento conferido pela legislação nacional, cujo recorte final escolhido engloba apenas o instituto da marca. Para tanto, o estudo será dividi­ do em três capítulos.

No primeiro capítulo, será abordado o contexto jurídico­ constitucional no qual o direito marcário está inserido. Como se verá, a Constituição Federal preocupou-se em assegurar a proteção à marca e à propriedade intelectual como um todo, ao mesmo tempo em que consolida a ordem econômica do país na valorização da livre iniciativa e livre concorrência, preocupando-se, ainda, com a proteção de figuras mais vul­neráveis, como o consumidor, e a repressão à concorrência desleal. Nesse capítulo, serão aprofundadas, ainda, a função jurídica da marca e suo importância para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país.

Em seguida, no segundo capítulo, o estudo focará em como as marcas coexistem com mecanismos de competição no mercado e em como um sinal distintivo pode ser percebido tanto como um instrumento de exclusão quanto de fomento à concorrência, demonstrando-se, nesse sentido, os institutos da indicação geográfica e dos contratos de distribuição e franquia. O foco, contudo, concentra-se na prática da im­portação paralela, um ponto crucial onde o direito marcário encontra a dinâmica comercial internacional e culmina nas controvérsias que motivaram o presente trabalho.

Finalmente, no terceiro capítulo, será feita uma análise juris­ prudencial de ações ajuizadas pelos respectivos titulares da marca em face dos importadores paralelos, que revelam a aplicação prática da lei em decisões judiciais, de diferentes tribunais estaduais brasileiros, situados em diferentes regiões do país, isto é, sul (Paraná), nordeste (Ceará) e sudeste (São Paulo). Ainda, a importância de tais casos encontra-se no fato de que todos acabaram sendo direcionados ao Superior Tribunal de Justiça, sendo possível, assim, analisar as linhas de raciocínio e diretrizes que a corte responsável pela inter­pretação do legislação federal brasileira adoto em relação à importação paralela, buscando-se demonstrar os erros e os acertos da decisão proferida em cada um deles.

A presente pesquisa foi realizada com a metodologia dedu­tiva, baseando-se em referências bibliográficas, consistentes de doutrina, artigos científicos e materiais encontrados em sites especializados, bem como em uma pesquisa documen­tal, envolvendo a análise da Constituição Federal, legislações nacionais pertinentes, tratados internacionais e decisões ju­diciais. Ademais, adotou-se a abordagem dogmática, sen­do o enfoque do estudo a compreensão e interpretação das regras e conceitos estabelecidos pela lei, além de realizar uma abordagem crítica à aplicação de tais regras e concei­tos pelos tribunais brasileiros. Buscou-se, assim, construir um entendimento sistemático sobre a importação paralela e sua interação com o direito marcário brasileiro, seguindo um ca­minho que partiu de um cenário geral para um particular, sem, contudo, adentrar no mérito se a escolha legislativa foi a mais adequada ou não.

2-A Ordem Econômica Constitucional de 1988

Após um período ditatorial marcado por um modelo cen­tralizador e intervencionista na economia, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) nasce em um contexto de redemocratização do país. Em 1987, os representantes eleitos pelo povo para compor a Assembleia Nacional Constituinte tiveram o desafio de refletir no texto constitucional os anseios da época por uma maior justiça so­cial e proteção de direitos fundamentais.

No que tange à ordem econômica, incorporada pela Constituição em título específico "Da Ordem Econômica e Financeira", tais anseios fizeram-se presentes por meio de diretrizes estabelecidas em seu texto - princípios gerais, garantias e limites ao direito econômico -, cujo principal obje­tivo era a desafiadora conciliação de um sistema capitalista com a busca pela promoção do bem-estar social e a redução das desigualdades sociais2.

Neste tocante, vislumbra-se do artigo 170 da CRFB/88, o qual introduz os princípios gerais da atividade econômica, a opção pelo capitalismo-social na ordem econômica consti­tucional brasileira diante da necessária observância de princípios característicos desse sistema econômico, quais sejam, os princípios da livre iniciativa, da propriedade privada dos meios de produção e da livre concorrência.

A esse respeito, abrem-se aqui pequenos parênteses para destacar que tal sistema não é descaracterizado pelo fato de a Constituição permitir ao Estado a atuação, de modo excepcional, no campo econômico - ora como agente eco­nômico propriamente dito, ora como agente disciplinador da economia (artigos 173, 174 e 175) 3 -, já que se apoia inteiramente na apropriação privada dos meios de produ­ção e na iniciativa privada, o que caracteriza o modo de produção capitalista4 • De fato, tais previsões constitucionais representam uma ruptura do modelo clássico do capitalismo5 - aquele que tinha verdadeira aversão por qualquer in­terferência estatal e que perdeu sua força com o fim da Pri­meira Guerra Mundial -, abrindo caminho ao Estado para se transformar, ele mesmo, em uma instância econômica6 e atribuindo ao campo da autonomia privada uma maior limitação7 • Ainda assim, tal transformação não é capaz de alterar o núcleo essencial do fundamento do capitalismo como sistema econômico, isto é, a propriedade privada dos meios de produção8 • Ao mesmo tempo, o referido dispositivo constitucional (artigo 170), justamente em um contexto de busca da conciliação an­teriormente mencionada, e inspirado nas raízes históricas fir­madas em textos constitucionais anteriores9, trouxe princípios para a ordem econômica fundados na dignidade da pessoa humana e na redução de desigualdades sociais, como, por exemplo, a valorização do trabalho humano, a  função social da propriedade e a defesa do consumidor.

Dessa forma, a Constituição adotou um modelo de  bem-es­tar social, viabilizando a implementação de mudanças na so­ciedade pela utilização de instrumentos e mecanismos sociais e populares consagrados em seu texto, de modo a consolidar  o Estado Democrático de Direito10 • Nesse sentido, a inclusão de direitos econômicos e sociais busca, como valor-fim do Direito, a justiça social, em contraposição - e na busca de um equilíbrio - ao individualismo capitalista11 • Sendo assim, con­forme afirma Eros Grau, a  Constituição de  1988 caracteriza­ se como dirigente, tendo em vista que as diretrizes, progra­mas e fins nela estabelecidos, a serem implementados tanto pelo  Estado  como pela sociedade,  atribuem-lhe o caráter de um plano global normativo, do Estado e da sociedade, pros­perando o artigo  170  no  sentido  de estabelecer, para além do texto constitucional, uma nova ordem econômica12 • 13

2.1-Os Princípios da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência

Com previsão expressa no artigo 170, caput e inciso IV, da CRFB/88, os princípios da livre iniciativa e da livre concor­rência são fundamentais pilares da chamada economia de mercado ou sistema capitalista. Em confronto à posição in­tervencionista e centralizadora do período militar e durante o hiato monárquico, assume o Estado, na Carta Magna de 1988, uma posição subsidiária aos agentes econômicos par­ticulares, que passam a assumir o comando da economia nacional.

A livre iniciativa recebeu especial atenção do legislador cons­tituinte ao ser consagrada não apenas como uma das bases fundamentais à efetivação da ordem econômica constitucio­nal, mas também da própria República Federativa do Brasil, conforme previsto no artigo 1º, inciso IV, da CRFB/88, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, do pluralismo político e dos valores sociais do tra­balho. Sua definição pode ser dada como a liberdade con­ferida ao particular para iniciar e desenvolver suas próprias atividades econômicas, organizando sua atividade  produtiva da  forma que entender melhor, de acordo  com  as oportuni­dades que lhe são apresentadas e sem a criação de emba­raços por parte do  Estado14, em harmonia com o parágrafo único do artigo 170 da CRFB/88: "é  assegurado  a  todos  o livre exercício de qualquer atividade econômica, independen­temente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Com a adoção da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica brasileira, ao Estado são impostas obrigações ne­gativas e positivas, de modo a buscar um equilíbrio com seu papel regulador na economia e a autonomia do setor pri­vada15. Isto é, a fim de garantir a criação e o respeito a um espaço de autonomia privada, o Estado assume um papel de não intervenção, para que os agentes econômicos tenham a liberdade de tomar suas próprias decisões e desenvolver suas atividades de acordo com seus próprios interesses, dentro dos limites estabelecidos pela lei. Por outro lado, ao Estado é conferida a adoção de medidas para garantir a existência e o desenvolvimento desse âmbito privado, por meio da imple­mentação de políticas públicas que estimulem a economia e criem novas oportunidades16, tendo sempre em vista a neces­sidade de equilíbrio entre a livre iniciativa com a promoção de justiça social.

Nesse sentido, tem-se que a livre iniciativa não é isenta de restrições. Ao contrário, tal princípio é condicionado pela Constituição, em seu artigo 170, à promoção de uma exis­tência digna a todos, conforme os ditames da justiça social, além de dividir espaço, como fundamento da ordem econô­mica, com a valorização do trabalho humano. Ainda, não pode ser exercida de modo absoluto e discricionário, sendo expressamente vedado pelo artigo 173, §4°, o abuso do po­der econômico que vise a dominação dos mercados, a eli­minação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

É justamente nesse ponto que se justifica a intervenção estatal no âmbito econômico, por ser a própria regulação jurídica o fator que assegura a existência do livre mercado, fundado na livre iniciativa, e a competição respaldada no mérito de cada agente econômico. Assim, para de fato garantir a liberdade de iniciativa, deve-se garantir o mercado econômico como um espaço a que todos possam ter acesso e nele permanecer por seu próprio mérito, com a devida remuneração, sendo a regulação estatal necessária para que se evite ao máximo que tais agentes obtenham proveitos às custas de danos in­ justos causados aos demais inseridos naquele contexto mer­cadológico17.

Isto posto, é de suma importância que o princípio da livre iniciativa esteja em harmonia com os demais princípios, in­cluindo o da livre concorrência. Os princípios não são ape­nas fontes normativas abstratas, mas sim vetores com pretensão de complementariedade, contribuindo, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão18. Sendo assim, instituem deveres e comportamentos necessários para alcançar determinados fins, estabelecendo um estado de coisas a ser promovido ou preservado19. A livre concorrência, como princípio, exige a realização ou preservação de um mercado aberto, competitivo e livre de práticas anticompetitivas, sendo necessário, para que seja atingida uma eficiência da economia de mercado, igualdade de condições, diversidades de agentes, de atividades e coibição aos abusos do mercado20.

Portanto, a livre concorrência, ao lado da livre iniciativa, ga­rante aos agentes econômicos a possibilidade de competir no segmento mercadológico que bem entenderem, promovendo-se um mercado competitivo para que empresas ou empreendedores participem em igualdade de condições e sem restrições excessivas. Em suma, a liberdade de concor­rência pode ser entendida como uma liberdade de constituir   a empresa, de acessar um mercado específico e de nele per­manecer, além da liberdade de produzir e comercializar21. Estimula-se, assim, a eficiência econômica, a inovação e a melhoria da qualidade dos produtos e serviços postos no mercado, dando aos consumidores mais opções de escolha, com melhor qualidade e diferentes preços22. Além disso, for­nece a base jurídica para impedir que os agentes econômi­cos desvirtuem as prerrogativas de liberdade de iniciativa, prejudicando a sociedade e os mercados23, sendo um dos balizadores necessários para que a livre iniciativa possa cor­ retamente atender à sua função social24.

Com efeito, a Constituição reconheceu o papel do Estado de assegurar a liberdade aos agentes econômicos, impondo obrigações positivas e negativas a eles. Ao mesmo tempo em que tais agentes privados possuem um direito subjetivo à livre concorrência, estes também devem observar o seu de­ ver jurídico de não adotarem condutas contrárias à concor­rência, sob pena de se sujeitarem às medidas disciplinares e punitivas do Estado25. Em outras palavras, se de um lado é permitido o uso de todas as estratégias legais para obter uma vantagem no mercado, com a garantia de imparcialida­de por parte do Estado, por outro, a intervenção estatal se faz necessária para proibir e punir, se for o caso, aqueles que recorrem a métodos que falseiem na livre competição26. Tais métodos prejudicam não só os demais agentes competidores naquele mercado, mas os próprios consumidores, os quais, se já se encontram em posição vulnerável em um âmbito legí­timo de competição, em um âmbito de concorrência desleal, possuem uma fragilidade ainda maior.

2.2-Da Proteção ao Consumidor

A Constituição de 1988, como Lei Maior de observância obrigatória na formulação das demais leis do ordenamento jurídico, representou um marco de reconstrução de um direi­to privado brasileiro mais consciente de sua função social27, isto é, preocupado com os sujeitos vulneráveis à uma livre iniciativa e livre concorrência desenfreada e sem limites, mar­ cada por diversas injustiças sociais.

Ao assegurar o princípio da igualdade no texto constitucio­nal, o legislador constituinte não se preocupou apenas em garantir uma igualdade formal, aquela restrita perante a lei, mas também uma igualdade material, em consonância com o princípio da dignidade humana. Nesse sentido, por meio da concretização do princípio da isonomia material, buscou­ se o reconhecimento de que, em algumas situações, os su­jeitos de uma relação jurídica não se encontram em posição equiparada, de modo a justificar, a partir de um tratamento desigual, a aplicação de regras excepcionais para proteger a parte mais vulnerável, cujo objetivo é justamente o reequilí­brio entre os polos daquela relação28.

Exemplo dessas situações são as relações de consumo - objeto de enorme evolução nos últimos tempos, principalmente na última metade do século XX, com o crescente avanço da indústria e do comércio e com o fenômeno da globalização29 -, as quais deixaram de ser pessoais e diretas para se trans­formarem em operações impessoais e indiretas, resultando em uma produção, distribuição e consumo em larga escala que deu origem à complexa sociedade de massa30. Nesse cenário, como uma resposta às exigências de constante re­elaboração do capitalismo para sua própria preservação31, a modificação das relações de consumo resultou em uma tomada de consciência acerca da desproteção do consumi­ dor e da necessidade de uma resposta legal protetiva32, com o intuito de promover um maior equilíbrio nas relações de oferta e demanda no mercado de bens de consumo.

Consciente dessa problemática, não foi à toa que a Car­ta Magna de 1988 estabeleceu, como elementos inerentes deste novo direito privado, o reconhecimento do papel do consumidor na sociedade e a necessidade de sua proteção no mercado33 • É justamente a constatação acerca da vul­nerabilidade da figura do consumidor que embasa o direito fundamental de promoção de sua defesa (artigo 5°, XXXII), concretizado sob a forma do Código de Defesa do Consu­midor (Lei n. 8.078/1990). A defesa do consumidor é, ainda, princípio da ordem econômica constitucional (artigo 170, V), servindo como um limitador da autonomia da vontade dos fortes em relação aos fracos (ou vulneráveis)34.

Sendo assim, tem-se que a proteção ao consumidor constrói-se em torno da sua reconhecida vulnerabilidade técni­ca, jurídica (ou econômica), fática e informacional35, a partir da identificação de sua condição desigual no mercado em relação aos seus demais participantes, notadamente os for­necedores dos bens e serviços36. Isto é, enquanto os fornece­ dores possuem uma posição jurídica mais forte, detêm mais informações e transferem mais facilmente seus riscos e custos profissionais, os consumidores partem de uma posição frágil e leiga no que se refere às informações sobre os produtos e serviços oferecidos no mercado, tornando-se, assim, vítimas fáceis de abusos37. Logo, o que pretende a proteção consti­tucional à defesa do consumidor é a sua livre atuação, na busca de seus interesses legítimos no mercado, diminuindo os impactos de uma relação em que tal sujeito de direitos está estruturalmente subordinado ao fornecedor e às suas eventu­ais práticas abusivas38, de modo a promover uma maior efi­ciência no mercado a partir de um ambiente negocial justo, transparente e sustentável.

2.3-A Proteção Conferida à Propriedade Intelectual

A proteção conferida à propriedade privada, junto à necessi­dade de que essa desempenhe uma função social, exerce um papel primordial na ordem econômica brasileira, conforme estabelecido no artigo 170, incisos II e III, da CRFB/88. Reco­nhecida como um direito fundamental, a propriedade priva­da deve estar em consonância com sua função social (artigo 5°, incisos XXII e XXIII), contribuindo para o desenvolvimento econômico e o bem-estar da sociedade como um todo.

As diversas previsões constitucionais acerca do tema da pro­priedade, principalmente aquelas referentes à ordem eco­nômica, demonstram que, apesar de ser conferido o direito da propriedade como um direito individual, este não poderá mais ser assim verificado de modo absoluto como antiga­ mente39. Factualmente, há uma relativização do seu conceito e significado, devendo ser aplicado de maneira conjunta ao princípio da função social, ambos sendo princípios da ordem econômica, como meios de garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social4º.

Sendo assim, as faculdades de usar, fruir, dispor e alienar a coisa - atributos do direito de propriedade - foram subs­tancialmente relativizados pelo princípio da função social da propriedade. Esse princípio, apesar de transformar a pro­priedade capitalista e individualista, não a socializa, já que atribuir uma função social à propriedade não autoriza a er­radicar, por via legislativa, a instituição da propriedade pri­vada41, instituição essa que implica, por si só, na adoção de um sistema econômico fundado na iniciativa privada42. Pelo contrário, a atribuição de uma função social à propriedade visa legitimar a propriedade privada em um contexto capi­talista, conciliando-a com a democracia social presente nos sistemas políticos contemporâneos43.

Isto posto, tem-se que a propriedade privada, como um ele­ mento central dos sistemas econômicos baseados no mer­cado, é um importante incentivo para a iniciativa individual, a inovação e o progresso econômico, permitindo aos indiví­duos ter o controle e desfrutar dos bens e recursos que pos­suem, de modo a estimular o investimento, a produção e a eficiência econômica. Ainda assim, diante da sua dimensão social conferida pela CRFB/88, o direito à propriedade pri­vada encontra-se condicionado ao bem comum e aos inte­resses da coletividade, tendo em vista a necessidade de har­monização com sua função social, sob pena da intervenção do Estado, impondo ao proprietário o dever de exercer seu direito em benefício de outrem e não, apenas, de não o exer­cer em prejuízo de outrem44.

Analisada essa relação entre a propriedade e a necessária observância à sua função social, cumpre frisar que a proprie­dade não constitui uma instituição única, mas várias diferen­ciadas, que se relacionam com diversos tipos de titulares e de bens45, materiais ou imateriais. Nesse sentido, a Constituição assegura tipos especiais de propriedade no decorrer de seu texto, dentre eles, a propriedade intelectual, gênero do qual são espécies a proteção sui generis, os direitos autorais e a propriedade industrial.

A proteção à propriedade intelectual surge a partir da to­mada de consciência de que, para haver inovação e desen­volvimento econômico de um país, é preciso dar às pessoas incentivo para tanto. Afinal, o ser humano, egoísta que é46, reage de maneira mais eficiente quando lhe é dado um in­centivo de recompensas e reconhecimento por suas criações intelectuais. Ao se ter garantida a exclusividade e os benefí­cios econômicos associados às suas criações, as pessoas são encorajadas a investir tempo, esforço e recursos na inovação, impulsionando assim o progresso tecnológico e o crescimen­to econômico de um país. Dessa forma, a propriedade inte­lectual se estabelece como um incentivo a um tipo de inves­timento de natureza espiritual, organizada e voltada para um tipo de produção específica, a destinada a um mercado47.

Segundo a  Convenção  que  institui  a  Organização  Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) - à qual  o  Brasil se filiou em 1975 -, em seu artigo 2°, item VIII, por propriedade in­telectual entende-se abranger direitos relativos às obras lite­rárias, artísticas e científicas; às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fono­gramas e às emissões de radiodifusão;  às invenções em  todos os domínios da atividade humana; às descobertas científicas; aos desenhos e modelos industriais; às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais; à proteção contra a concorrência desleal; e todos os outros direitos inerentes à atividade inte­lectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

Atualmente, a maioria dos países possui legislação específica e diferenciada em relação à propriedade intelectual, que é adicionalmente regulada no âmbito internacional por meio de uma série de tratados, ratificados por diversos países, in­cluindo o Brasil48 • No caso brasileiro, além das legislações infraconstitucionais referentes ao tema49, a proteção à pro­priedade intelectual é conferida a partir do próprio texto constitucional, elencada no rol de direitos fundamentais {ar­tigo 5°, incisos XXVII, XXVIII e XXIX)51•

No que tange à propriedade industrial, segmento da pro­priedade intelectual que afeta mais diretamente os interesses da indústria de transformação e do comércio52, foi a Lei n. 9.279/1996 {LPI) que deu eficácia  ao  comando  constitucio­nal constante do inciso XXIX ao artigo 5°, o qual confere aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à pro­priedade das marcas, aos nomes de empresas e a  outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desen­volvimento tecnológico e econômico do País.

De acordo com Gama Cerqueira, pode-se definir propriedade industrial como o conjunto de normas legais e princípios jurídicos que protegem a atividade laboral no campo indus­trial e seus resultados econômicos, de modo a abranger pro­teção das criações intelectuais no âmbito industrial e toda a matéria relativa à repressão da concorrência desleal, incluin­do-se aqui os sinais distintivos pelos quais um agente econô­mico se identifica no mercado  {marcas,  nome empresarial, indicações de  origem de  produtos,  entre  outros)53. Nessa li­nha, a Convenção da União de Paris (CUP) - à qual o Brasil aderiu na Revisão de Estocolmo, em 1992 - define, em seu artigo l O (2), o objeto da propriedade industrial como sendo as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os dese­nhos ou modelos industriais, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

Assim, os direitos relativos à propriedade industrial caracte­rizam-se como direitos privados patrimoniais54, cujo objeto é um bem imaterial ou incorpóreo, que, segundo Pontes de Mi­randa, consistem na reprodução de tais bens, com exclusão dos outros agentes econômicos daquele mercado55. Isto é, a proteção legal conferida à propriedade industrial traduz-se em um privilégio de uso ou exploração daquele bem por seu proprietário 56.

Dessa forma, confere-se ao titular daquela propriedade in­dustrial uma espécie de monopólio do uso, seja de sua inven­ção, seja de seu signo comercial, que não se confunde com o monopólio stricto sensu, uma vez que este se refere a uma exclusividade de mercado, enquanto aquele se trata apenas de uma exclusividade legal de uma oportunidade do merca­ do57. Ainda assim, como em todo tipo de propriedade, há de ser observada, no campo da propriedade intelectual - e, consequentemente, da propriedade industrial -, a sua fun­ção social, cujo cumprimento implica comportamentos posi­tivos por parte do proprietário, os quais devem ser pautados pelo interesse social e pelo desenvolvimento tecnológico e econômico do Brasil.

2.4-A Função Jurídica das Marcas

Abarcados pelo guarda-chuva que é a propriedade indus­trial, os sinais distintivos são essenciais em um contexto em­presarial, utilizados pelos empresários para se identificarem no mercado e individualizarem não apenas seus negócios em si, mas também seus produtos e serviços em relação a seus diversos concorrente s58. Essencial em uma economia de mercado, a marca se revela como o sinal distintivo mais relevante 59 para a diferenciação e a estratégia comercial de uma empresa, conferindo um caráter único e reconhecível aos seus produtos e serviços, de modo a estabelecer uma distintividade crucial em um mercado altamente competitivo. Nesse sentido, ao ser aposta a produtos fabricados, merca­dorias comercializadas ou a serviços prestados 60, a marca vincula juridicamente aquele bem ou serviço a uma origem e o discerne em face de seus concorrentes.

Com sua proteção garantida como direito fundamental pela Constituição Federal, a marca teve segurança jurídica buri­ lada pela Lei n.  9.279/96, a qual regula direitos e obriga­ções relativos à propriedade industrial. Em seu artigo 122, dispõe a Lei serem suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente   perceptíveis, conferindo, a partir do registro, um direito ao uso exclusivo ao seu titular em todo o território nacional (artigo 129), resguardando-o contra utilizações indevidas ou não autorizadas por terceiros, bem como de reproduções e/ou imitações dos elementos daquela marca (artigo 124, inc. XIX).

Podendo ter sua natureza classificada como de produto ou serviço, coletiva ou de certificação 61, a principal função da marca, juridicamente protegida, é a sua função distintiva, sendo a distintividade requisito essencial para o registro de uma marca, bem como para sua sobrevivência no merca­do. Em outras palavras, é a capacidade distintiva da marca que permite ao seu titular diferenciar seus produtos e servi­ços dos demais - especialmente em um mercado cujos bens não apresentam características ou preços muito distintos 62-, ao mesmo tempo que favorece a identificação por parte dos consumidores em meio à concorrência, que irão associar àquela marca uma certa qualidade ou experiência.

Tem-se, assim, que a identificação e a diferenciação são atri­butos inerentes à marca e fazem dela o principal ativo ima­terial de uma empresa 63 em uma economia de livre iniciativa e concorrência. Desse modo, a proteção à função distintiva da marca atua como um mecanismo de minimizar chances de confusão ou associação entre diferentes titulares, asse­gurando uma leal e justa concorrência64, além de promover a regulação da comercialização no mercado, diferenciando e identificando os múltiplos produtos e serviços existentes65.

Para além da função distintiva, depreende-se da marca uma função informacional. Isto é, a marca, como sinal distintivo que é, funciona como um veículo de transmissão de informa­ções ao consumidor 66, na medida em que transmite ao pú­blico as características objetivas do produto ou serviço mar­cado, abrangendo seus aspectos técnicos ou funcionais 67, como, por exemplo, a origem ou procedência empresarial e o modo de produção. Mais ainda, tal sinal é capaz de for­necer ao consumidor qualidades subjetivas relacionadas à marca propriamente dita, a depender do quanto seu titular está disposto a investir em ações publicitárias para construir um valor agregado. Havendo essa disposição, efetiva-se a função publicitária da marca, estritamente relacionada à sua força sugestiva68, de modo a criar no consumidor uma co­nexão emocional que independe, muitas vezes, das características objetivas do produto ou serviço assinalado69. Nesse sentido, com uma reputação bem construída e com a deno­tação de uma qualidade consistente, a marca tem o poder de reduzir os custos de pesquisa dos consumidores - os "search costs"7º -, pois poderão associar suas experiências passadas às futuras e, assim, gastando menos tempo procurando para obter a qualidade que desejam 71.

Toma-se como exemplo da força sugestiva acima mencionada a marca "Apple", utilizada ao redor do mundo para identificar computadores e dispositivos eletrônicos. Como se percebe, o termo "Apple" - maçã, em inglês - em nada se relaciona com os produtos ofertados sob essa marca, o que garante ao seu titular a suficiente distintividade no mercado para se distinguir de seus concorrentes e ter sua marca facilmente identificada pelo público consumidor. Por meio das diversas ações publicitárias da marca e da construção de um valor agregado a ela desde sua criação - o chamado "goodwi /111 resultado de anos de investimento e compromisso com a contínua qualidade-, a marca "Apple" evoca uma associação a design, tecnologia e excelência aos seus produtos e serviços. Em outras palavras, por meio da referida marca, é reforçada a transmissão informacional sobre seus produtos, o que dá ao seu titular a capacidade de exercer, em certa medida, um poder persuasivo sobre o consumidor 72. Nesse sentido, a força sugestiva da marca torna-se um ativo valioso para seu titular, ajudando-o a se posicionar como líder em seu segmento e facilitando a conquista e permanência de clientela, constituindo uma ver­ dadeira vantagem concorrencial daquela empresa.

Isto posto, verifica-se que é a partir da capacidade informa­cional da marca, junto à sua função distintiva legalmente protegida, que se previne a confusão do público consumidor com marcas de terceiros quanto à origem daquele produto ou serviço, bem como que façam associações indevidas com concorrentes. Com isso, preserva-se a reputação e o valor agregado daquela marca, além da confiança do consumidor.

Importa ressaltar que a proteção jurídica dada às marcas não só é de grande valia às empresas titulares delas, por todas as razões acima expostas, mas também aos próprios consumidores. Estes não somente poderão tomar decisões mais bem informadas ao escolherem consumir uma certa marca, mas, ao terem a segurança jurídica da associação da marca ao seu titular, possuem o poder de retaliação ao terem suas expectativas frustradas73. Buscando evitar serem vítimas da suspensão de compras futuras e da perda de credibilidade ou degradação de sua reputação, as empresas acabam sen­do incentivadas a realizar uma manutenção de um padrão de qualidade dos seus produtos e serviços, incentivo esse as­ segurado, também, pela exclusividade no uso proporcionada pelo registro da marca.

Isso porque o registro marcário concede uma forma jurídi­ca de proteger o seu titular de atos confusórios praticados por terceiros eivados de má-fé, garantindo tal exclusividade de uso em todo o território nacional. Ademais, obtendo tal proteção jurídica, assegura-se ao seu titular que todo o investimento feito para atribuir valor agregado à sua marca será recompensado pela correta identificação e associação dos consumidores aos seus produtos e serviços. Consequen­temente, segundo essa ideologia, os titulares das marcas são incentivados a investirem cada vez mais na qualidade de seus produtos e serviços, pois sabem que terão o devido retorno por isso, o que provavelmente não ocorreria em um sistema onde não houvesse qualquer proteção aos sinais distintivos74.

Dessa forma, ainda que possa parecer o contrário em um primeiro momento, a concessão de exclusividade na utili­zação de uma marca estimula a concorrência no mercado. Conforme explica Nuno Pires de Carvalho, é a diferenciação, assegurada pela marca, entre produtos e serviços concorren­tes que faz com que as economias de livre mercado existam e prosperem 75. Ao se proteger as marcos, a possibilidade das empresas de competirem no mercado não só é preser­vada, mas também incentivada, vez que é garantida a elas a segurança da identificação dos produtos e serviços pelos consumidores76 que são beneficiados por mais opções de escolha. Sendo assim, conclui-se que a exclusividade con­ferida pelo registro da marca estimula a inovação, a indivi­dualidade e, em última análise, promove uma concorrência justa e saudável, incentivando a diversidade e a melhora con­tínua da qualidade dos bens e serviços dispostos no merca­ do, como uma forma de cada titular preservar o valor e a credibilidade de suas próprias marcas.

2.5-A Repressão à Concorrência Desleal

Para que seja configurada a concorrência entre dois agen­tes econômicos, são três as identidades necessárias entre eles, quais sejam, o tempo, o objeto e o mercado77. Ou seja, é necessário que {i) o fato ocorra no mesmo espaço tempo­ral,{ii) se dê pela disputa do mesmo produto ou serviço {ou produtos e serviços similares) e {iii) que haja identidade de segmento mercadológico entre tais agentes78 Isto posto, a lealdade da concorrência opera-se como um direito subjeti­vo dos agentes atuantes no mercado, que, ao identificarem condutas desleais praticadas por seus concorrentes, podem exigir a abstenção de tais atos, suscetíveis a prejudicar a obtenção de um resultado econômico advindo da conquis­ta de clientela de modo legítimo79. Para além dos direitos individuais de tais agentes competitivos, uma concorrên­cia leal e justa é direito dos próprios consumidores, que devem ter acesso a todas as informações corretas sobre aquele produto ou serviço para tomar uma decisão bem informada e não sofrer manipulações por práticas desleais ou enganosas.

Inerente à proteção jurídica garantida às marcas, a repressão à concorrência desleal surge como uma forma de resguardar o mercado contra essas práticas desonestas. A partir de uma relação de complementariedade entre os institutos da mar­ca e da repressão à concorrência desleal, um se revela ao outro como fundamental para a consolidação de ambos80 e, consequentemente, para a preservação de um mercado sustentável e justo. Isso porque a concessão do registro à marca, garantindo ao seu titular o uso exclusivo daquele si­nal, determina uma barreira legal a todos aqueles que bus­cam se aproveitar de todo o investimento feito na construção daquela marca e de seu valor agregado, ao proibir qualquer uso indevido e não autorizado por terceiros.

Tanto a concorrência leal quanto a desleal visam o mesmo objetivo: prejudicar os concorrentes, de modo a retirar deles a posição de mercado antes conquistada. Tal ato, por si só, não se mostra ilícito, visto que, diante da garantia de uma liberdade de iniciativa e de concorrência dada pelo ordena­ mento jurídico brasileiro, há, consequentemente, uma liber­dade dada a cada agente de causar danos justos aos seus concorrentes, que nada mais são do que parte intrínseca do risco de se operar em uma economia de mercado81 Segundo José de Oliveira Ascensão, a licitude da concorrência implica por definição a licitude da causação de prejuízos a outrem 82. O que difere uma da outra é justamente o meio emprega­ do para alcançar tal objetivo, identificando-se a deslealdade competitiva a partir de uma análise dos recursos utilizados por aquele agente83. Isto é, a concorrência será considerada leal quando os avanços competitivos daquele empresário se originarem ou de estratégias por mérito próprio, ou da falta delas em seus concorrentes, enquanto a concorrência desleal será identificada quando tais avanços forem mero reflexo de um aproveitamento indevido das vantagens competitivas alheias84.

Conforme explica Arthur Zeger85, a classificação doutriná­ria das condutas que geram concorrência desleal as divide em três grandes grupos, quais sejam, os atos que criam con­fusão, desvios de clientela e atos contrários à moralidade. Quanto aos atos que criam confusão, estes seriam práticas com o objetivo de enganar ou confundir o consumidor acer­ca da identidade ou origem daqueles produtos e serviços, o que pode ser concretizado, por exemplo, com a imitação de marcas ou do conjunto-imagem (trade dress) pelo qual um agente apresenta seu produto e ser viço no mercado. Já os atos que visam o desvio da clientela são aqueles que buscam macular a reputação de outra empresa ou de seus produtos e ser viços com o objetivo de atrair paro si os consumidores do empresa prejudicada, como a disseminação de informações falsas ou enganosas sobre a empresa concorrente e os bens que oferece no mercado. Por fim, os atos contrários à moralidade englobam práticas que violam princípios éticos básicos e normas de conduto aceitas em uma sociedade, com o objetivo de obter uma vantagem competitiva por meio de métodos considerados imorais, como a utilização de su­bornos visando a obtenção de segredos comerciais de um concorrente.

Nesse sentido, a repressão à concorrência desleal, positivada nos artigos 2°, inciso V, 195 e 209 da Lei de Propriedade Industrial, assim como no artigo 4°, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, consiste em um modo de proteger os investimentos feitos pelo titular no desenvolvimento de sua marca, tutelando, ao mesmo tempo, o consumidor desatento. Além da proteção nacional, o instituto encontra guarida em tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP) e o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS)86.

Tem-se, assim, que o combate à concorrência desleal constitui um dos pilares fundamentais da propriedade industrial, enquanto a própria propriedade industrial constitui a materialização daquele instituto na legislação vigente 87 ao mes­mo tempo que preserva a ordem econômica e o mercado consumidor. Ao garantir que as empresas concorram em termos equitativos, com base na eficiência e mérito próprios e não em práticas comerciais desleais, assegura-se não só a confiança do consumidor na legitimidade do mercado, mas também se promove um ambiente propício para inovação, criatividade e aperfeiçoamento de produtos e serviços, de modo a estimular o desenvolvimento econômico sus tentável e a saúde do mercado.

(A segunda parte deste artigo será publicado no próximo edi­ção).

Fonte:

A prática da Importação Paralela à luz do Direito Marcário Brasileiro - ABPI PDF download

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