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Cai percentual de magistradas no Judiciário

Levantamento aponta queda da participação feminina nas Cortes superiores.

Nas faculdades e no início das carreiras jurídicas a participação de mulheres e homens já é proporcional há anos, mas o mesmo não se observa nos patamares mais elevados. A pesquisa mais recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o assunto, com dados de 2018, aponta a diferença. Atualmente, o percentual de mulheres ocupando o cargo de ministra em tribunais superiores de Justiça no Brasil é só de 18,5%.

A impressão é a mesma quanto a sócias seniores em escritórios de advocacia e desembargadoras nos tribunais.

Na segunda instância, parece que não ocorreram grandes mudanças desde 2018, de acordo com a conselheira do CNJ e desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) Salise Sanchotene. Agora, o CNJ pretende atualizar o diagnóstico da participação feminina realizado naquele ano para entender o que aconteceu e propor algumas medidas.

Uma das propostas pode ter andamento no CNJ ainda este mês. Trata-se da transformação, pelo Plenário do órgão, da Recomendação do CNJ nº 85, de 2021, em uma resolução. A recomendação, que sugere a composição paritária de gênero nas bancas de seleção
em concurso público, passaria a ser obrigatória, o que poderia elevar a chance de mulheres em cargos elevados no Judiciário. Hoje, na prática, a recomendação não é seguida, segundo Salise.

No próprio CNJ, até julho de 2022, de 120 conselheiros que atuaram no órgão, só 20% eram mulheres. O Senado Federal nunca indicou uma mulher para as vagas do CNJ e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) só fez isso uma vez, segundo pesquisa apresentada em 2022 no encontro "Mulheres na Justiça", do CNJ.

"Temos que fazer um trabalho junto aos órgãos que indicam para o CNJ, afinal ele traça a política nacional para todos os tribunais", afirma Salise. Ela é também supervisora do Grupo de Trabalho sobre o cumprimento da Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, instituída em 2018 pelo CNJ.

Outra proposta em estudo para mudanças no cenário atual é a nomeação alternada de juízes e juízas para os cargos de desembargador nos tribunais até ser estabelecida a paridade.

Segundo a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, a Constituição de 1988 buscou promover a concessão igualitária de oportunidades. "Passados quase 35 anos dessa promessa, os indicadores, infelizmente, ainda mostram baixa participação das mulheres na magistratura", diz. "O Judiciário precisa estar atento a isso e construir, constantemente, oportunidades para a efetiva equidade de gênero", afirmou.

Para Maria Thereza, a dificuldade de ascensão das mulheres na carreira é estrutural, mas o Poder Judiciário tem papel fundamental na construção de soluções. Um exemplo de iniciativa importante, segundo ela, foi a instituição da Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

Foi com base nessa política que o CNJ fez o panorama da participação feminina da Justiça entre 2008 e 2018. Esse é considerado o dado mais completo e recente sobre o tema. Na época, a participação feminina na magistratura era de 38,8%.

O percentual de magistradas nos cargos de desembargadoras, corregedoras, vice-presidentes e presidentes estava no patamar de 25% a 30%. Nos tribunais superiores havia caído de 23,6% em 2008 para 19,6% em 2018.

Este ano, no Supremo Tribunal Federal (STF), as ministras seguem as mesmas de 2018: a atual presidente, ministra Rosa Weber, que se aposenta em breve, por idade, e a
ministra Cármen Lúcia. Desde então duas vagas foram abertas e ocupadas por homens. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) são seis mulheres em um total de 33 ministros. Ocorreram duas indicações para preenchimento de vagas desde 2018, e foram nomeados dois homens.

"A Justiça precisa refletir a sociedade na qual ela está inserida. Precisa refletir a realidade populacional como um imperativo de democracia. As múltiplas experiências de vida que trazem a riqueza e possibilidade de ampliar os debates", afirma Camila Pullin, coordenadora da "Ajufe Mulheres". Ajuíza lembra que, até hoje, apenas três mulheres chegaram a ser ministras do STF e que a participação feminina no segundo grau tem decrescido.

A Justiça Federal é o segmento com menor participação feminina e, segundo Camila, a diversidade é ainda pior quando considerados dados raciais: entre as desembargadoras, 12, 10% são negras e 0,5% amarelas, as demais são brancas, segundo a Ajufe. "A falta de dados com recorte de gênero e raça nos tribunais é um problema para a elaboração de políticas públicas", diz ela.

Na advocacia, a OAB não tem dados sobre a participação feminina entre sócias. As mulheres representam 52% na advocacia, mas o número reflete apenas a entrada na carreira, segundo Cristiane Damasceno, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada (CNMA). A comissão pretende realizar um censo com recorte racial e de gênero.

"Sócia sênior nos grandes escritórios você conta nos dedos", afirma. "As mulheres que se preocupam com ascensão já estão na ponta. A maioria se preocupa em ter trabalho, se vai ser aceita grávida, por exemplo", diz Cristiane.

Em pesquisa realizada em 2018 com cerca de 300 escritórios - e respostas de 55, somando cerca de 4 mil advogados - a associação sem fins lucrativos para mentoria de advogadas recém formadas Women in Law Mentoring Brazil (WLMBR) concluiu que só 34% das advogadas eram sócias de capital. "Vários escritórios grandes não queriam expor dados, mesmo sendo uma pesquisa anônima", afirmou a advogada Raquel Stein, integrante do WLMBR.

"Não vejo gargalos na entrada, mas a proporção não se mantém nos cargos de liderança", afirma Joana de Mattos Siqueira sócia e líder do Comitê de Diversidade e Inclusão de escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello. Para Joana, há uma tentativa de mudança por parte de várias bancas de advocacia. "A mudança tem que acontecer porque os escritórios que não evoluírem vão perder talentos", diz.

"Mas escritórios que queiram atingir maior equidade de gênero tem que dedicar recursos para ter equidade de gênero maior, porque isso custa e a alta liderança tem que estar envolvida", afirma Cristiane Romano, sócia no escritório Machado Meyer.

Segundo Cristiane, uma das observações feitas a partir de debates no Comitê de Diversidade e Inclusão, criado no escritório há 12 anos, é que as advogadas veem como entrave à ascensão na carreira, por exemplo, a dificuldade em frequentar eventos fora do horário de trabalho por causa dos cuidados com os filhos. Entre as soluções, o escritório adotou horários flexíveis para mães e pais. "Para as mulheres ascenderem na carreira é importante dividirem a parental idade com o pai", afirma.

Demissões de advogadas grávidas ou profissionais que escondem a gravidez por medo de serem escanteadas em grandes casos ainda são realidade na carreira, observada em estudos internos do "Elas Pedem Vista", criado em 2017 por advogadas em Brasília. O grupo tenta levar para os escritórios o modelo chamado de licença parental.

No caso de licença parental, o casal pode dividir os meses da licença pelo nascimento do filho, segundo a presidente do "Elas Pedem Vista", Cristina Neves. "Para a mulher ter maior atuação na vida pública, o homem precisa ter mais atuação na vida privada", afirma.

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