Nos últimos anos, o Brasil tem experimentado um incremento no número de litígios de patentes relacionadas à área de telecomunicações envolvendo SEPs (standard essential patentes, em português: patentes essenciais), com um aumento exponencial em ações movidas seja por detentores de patentes denominadas NPEs (non-practicing entities, em português: entidades não praticantes) ou por empresas implementadoras da tecnologia, que também detêm patentes essenciais.
A Justiça Estadual do Rio de Janeiro tem sido selecionada para o “enforcement” dessas patentes já que liminares em caráter de tutela de urgência – antes mesmo da oitiva da parte contrária e da produção de uma prova pericial por um expert independente – vinham sendo concedidas.
A estratégia está inserida no contexto de fortalecimento nas negociações globais de licenciamento em andamento em outros países, já que muitas das entidades envolvidas nas disputas judiciais brasileiras já vêm promovendo esses mesmos litígios em outros países onde, ao contrário do Brasil, liminares em ações de infração de patente são quase inexistentes.
O cenário nacional favorável para os detentores de patentes no país vem incentivando o ajuizamento de tais ações judiciais, uma vez que a obtenção de uma liminar — normalmente acompanhada de multa diária pelo não cumprimento — coloca os titulares dessas patentes numa posição mais forte caso esteja em andamento uma negociação global.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vem confirmando tais liminares respaldadas em pareceres unilaterais que atestam que a tecnologia protegida pela patente seria essencial para um tipo de padrão tecnológico, já que, a seu ver, a infração seria uma decorrência lógica da essencialidade de tal padrão. Até muito recentemente, os tribunais especializados em Propriedade Intelectual, com algumas exceções, não distinguiam patentes essenciais de não essenciais, aplicando dispositivos legais que garantem a possibilidade de concessão de liminares com base exclusivamente em pareceres unilaterais apresentados pelo Autor que atestassem a essencialidade.
É fato que nem o Código de Processo Civil Brasileiro nem a Lei de Propriedade Industrial Brasileira (Lei 9.279/96) estabelecem distinção entre patentes essenciais e não essenciais. No entanto, é inequívoco que as particularidades de tal microssistema e a forma como tais ações judiciais estão se desenvolvendo no Brasil têm atraído a atenção de um número cada vez maior de titulares de patentes.
Apesar da previsão no ordenamento jurídico brasileiro de dispositivos que permitem a concessão de liminares sem o contraditório em ações SEP no Brasil, duas decisões judiciais recentes proferidas pelo Juiz Victor Augustin, então a frente da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, vêm introduzindo outros critérios para concessão de liminares em tais ações, que merecem destaque.
Um desses casos[1] diz respeito a uma ação movida por um titular de patente contra uma grande empresa de telecomunicações com atuação global, na qual o juiz anterior havia concedido uma liminar sem o respaldo de um expert independente designado pelo juízo com notório saber na matéria em discussão (normalmente de alta complexidade).Passados quase dois anos, o novo juiz não apenas revogou a liminar anteriormente concedida, como também julgou improcedente a ação – agora com base em laudo pericial imparcial de lavra de Perito de confiança do Juízo, confirmando a não infração da patente -, tendo ainda condenando o Autor por litigância de má-fé.
Em outra recente decisão judicial, o mesmo Juiz Victor Augustin da 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro[2] estabeleceu os seguintes critérios para concessão de liminar em ações de violação de patentes SEP:
Para requerer uma liminar, o titular da patente deve comprovar que observou as condições FRAND (Fair, Reasonable, and Non-Discriminatory, em português: justas, razoáveis e não discriminatórias) na negociação de um acordo – o que significa que aquele que alega possuir uma patente essencial para tal padrão deve procurar licenciar a terceiros nos termos referidos.
A liminar sem oitiva da parte contrária será condicionada a um laudo pericial preliminar conciso e imparcial, através do qual um perito apontado pelo juízo responderá inicialmente a alguns quesitos/perguntas formuladas pelo juiz, sem prejuízo de um laudo pericial mais completo e fundamentado a ser futuramente apresentado na fase pericial.
O segredo de justiça será limitado às informações empresariais confidenciais identificadas pela parte interessada. Tal disposição visa facilitar a formação da jurisprudência e dar segurança jurídica, com base na regra geral do processo civil que dispõe que as ações judiciais devem ser públicas e totalmente divulgadas à sociedade.
Um depósito caução deve ser apresentada pelo Autor. Nota-se que tais previsões contribuem para um cenário mais claro para uma discussão altamente técnica e complexa que só agora vem amadurecendo no judiciário brasileiro.
Portanto, o Brasil continua sendo uma jurisdição atraente para ações judiciais relacionadas a patentes SEP. Embora liminares ainda sejam frequentemente concedidas aos titulares de patentes alegadamente essenciais, os juízes estão se tornando cada vez mais versados nas complexidades dos padrões tecnológicos e suas respectivas particularidades.
Os magistrados estão mais atentos aos direitos e obrigações dos detentores e implementadores de patentes SEP e cientes dos termos FRAND que podem dar o tom nas negociações de royalties. À medida em que os casos relacionados as patentes SEP se tornam mais frequentes no país, é natural que as disputas sejam tratadas pelos juízes com critérios mais claros e seguros, possibilitando assim equilibrar os interesses de todas as partes envolvidas e as circunstâncias específicas de cada caso.
[1] Caso atualmente sob segredo de justiça.
[2] Decisão proferida quando os autos eram públicos (atualmente estão sob segredo de justiça): DivX, LLC vs. Gorenje do Brasil Importação e Comércio de Eletrodomésticos Ltda., Toshiba do Brasil Ltda. e Multilaser Industrial S.A. – nº. 0834763-49.2024.8.19.000, em 17 de maio de 2024, 6ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.