Número de solicitações tem se mantido estável nos últimos anos, com uma média anual de cerca de cem pedidos
Por André Tomazela
19/12/2024 05h04
Entre 2012 e agosto de 2024, o Brasil registrou 1.097 pedidos de patentes no trâmite prioritário de “patentes verdes”, voltado a tecnologias sustentáveis, consideradas chave para a economia do futuro. Os dados, do Observatório de Tecnologias Verdes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI),
mostram que o número de solicitações tem se mantido estável nos últimos anos, com uma média anual de cerca de cem pedidos. Brasileiros lideram os registros, representando 78% dos depositantes, entre empresas, instituições públicas e pessoas físicas. Os 22% restantes são de não residentes, com destaque para os Estados Unidos, China, Alemanha e Holanda, onde grandes empresas figuram entre os principais solicitantes.
O trâmite prioritário de patentes verdes abrange cinco categorias: energias alternativas, transportes, conservação de energia, gerenciamento de resíduos e agricultura sustentável. Sua principal vantagem é o tempo reduzido de análise, que tem uma média de nove meses após a concessão do pedido prioritário, muito inferior aos 3,5
anos para pedidos de exame e 4,5 anos para pedidos de patentes comuns.
Pedro Leal, responsável pelo Trâmite Prioritário de Patentes Verdes do INPI, explica que o processo, regido pelas portarias 78 e 79, começa com o depósito do pedido e a solicitação do trâmite prioritário, desde que atendidos os requisitos. “O pedido deve estar fora do período de sigilo ou ter solicitação de publicação antecipada. Além disso, o requerente deve pedir o exame e pagar a taxa correspondente”, explica.
Os custos são semelhantes aos de uma patente convencional, com acréscimo de R$ 890,00 pela priorização. Outro critério é a conformidade com as tecnologias descritas no Anexo 2 da Portaria 79. “Se o pedido se enquadrar após análise técnica, recebe classificação prioritária e segue para análise detalhada.”
Segundo Irene von der Weid, responsável pelo Observatório de Tecnologias Verdes do INPI, a grande vantagem do programa é priorizar patentes sustentáveis e favorecer pequenas e médias empresas, que podem usar o selo verde como estratégia de marketing: “O selo verde ajuda a atrair parceiros comerciais e a desenvolver novos negócios mais rápido”.
O projeto do observatório começou por meio de uma parceria do INPI com o Instituto Federal do Amazonas (lfam) e a Universidade de São Paulo (USP), focando nas tecnologias da Amazônia. No entanto, a baixa representatividade da região levou à ampliação do escopo. Hoje, apenas 1,8% dos pedidos de patente vêm da Amazônia Legal, sendo “gerenciamento de resíduos” a categoria mais frequente, com destaque para bioinsumos como andiroba, juta e açaí.
Atualmente, 43% das patentes verdes estão em vigor, enquanto 30% foram invalidadas, 11% extintas e 16% ainda aguardam análise. Gabriela Salerno, sócia do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello, aponta que a falta de preparo técnico na redação e no acompanhamento dos pedidos contribui para erros e atrasos, como a
ausência de busca prévia e a perda de prazos no INPI. “Muitos inventores evitam suporte especializado, o que aumenta recusas e arquivamentos, refletindo altas taxas de insucesso”, diz.
Segundo o INPI, a maior parte dos depósitos é de gerenciamento de resíduos (666), seguido por energias alternativas (433) e agricultura sustentável (204). Na categoria de resíduos, 68% dos pedidos são de empresas, com destaque para a Vale, com 25 pedidos e mais três em avaliação.
Dos 25 pedidos da Vale aprovados, 11 focam na economia circular, incluindo reaproveitamento de resíduos, e nove integram o Programa de Mineração Circular, que prevê recuperar 6,7 milhões de toneladas de minério de ferro em 2024, reutilizando rejeitos para criar coprodutos como areia e blocos de construção. Entre as inovações, destaca-se o supressor sustentável, feito com PET reciclado, que forma uma película sobre as pilhas de minério, reduzindo a dispersão de poeira.
Fabiano Tonucci, gerente de propriedade intelectual da Vale, destaca que a maioria das patentes já foi ou está sendo implantada. Entre elas, cinco tratam de redução do uso de água na produção de minério. Nos próximos anos, 70% da produção no Brasil será a seco, eliminando rejeitos e barragens. Em 2014, esse índice era de 40%. “O processamento a seco reduz 93% do consumo de água, melhora a produtividade e economiza energia”, explica. Outra inovação é o briquete de minério de ferro, que reduz em até 10% as emissões de carbono no alto-forno e, com hidrogênio verde, possibilita a produção de aço sem emissões. A primeira planta foi inaugurada em Vitória, e outra começará a operar em 2025. “Essa inovação é crucial, pois a siderurgia, responsável por 8% das emissões globais, é de difícil abatimento”, diz.
Liderando os pedidos de patentes verdes em “agricultura sustentável”, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) prioriza tecnologias relacionadas à sustentabilidade, como o reflorestamento de áreas degradadas. Destacam-se a criação de equipamentos para o reflorestamento em Dois Vizinhos, no sudoeste do Estado, além da reutilização de resíduos industriais como palha, serragem e bituca de cigarro para criar produtos sustentáveis.
Carina Rau, diretora da Agência de Inovação, ressalta a recente patente da UTFPR, que criou um material biodegradável e sustentável, semelhante ao couro, feito de resíduos orgânicos, palha, serragem e micélio de fungos. Essa inovação oferece uma alternativa ecológica para a indústria de revestimentos. A universidade viabiliza os projetos por meio de parcerias entre professores, alunos e empresas, como a startup Mush, que comercializa a patente. “A Mush é referência em biotecnologia verde e mostra como universidades podem gerar soluções inovadoras e contribuir para o desenvolvimento econômico do país”, diz.
A Universidade Federal do Paraná (UFPR) lidera em “energias alternativas”. Pedro Henrique Martore, professor e diretor da Agência de Inovação, destaca o compromisso da universidade com biocombustíveis, células fotovoltaicas e gaseificação. “Temos grupos de pesquisa sólidos em energias alternativas. A bioeconomia, uma das 11 áreas estratégicas do governo estadual, tem incentivado ainda mais as pesquisas na UFPR”, afirma.
Algumas inovações em destaque incluem um dispositivo híbrido axial de propulsão a jato, coordenado pelo físico Cyro Ketzer Saul; uma tecnologia de pirólise para biocarvão, que gerou uma startup acadêmica sob a liderança do químico Marcio Vidotti; e a primeira patente licenciada da UFPR, desenvolvida por Atila Mógor, que utiliza microalgas para produzir aminoácidos e impulsionar o crescimento de plantas.
Para Martore, o principal desafio é levar as patentes da universidade ao mercado, gerando benefícios para a sociedade. “Muitas inovações ainda estão em estágios iniciais e precisam de testes-piloto ou em escala industrial, o que exige investimentos”, comenta. Para aumentar a maturidade das patentes, a UFPR lançou, em 2023, um edital em parceria com a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, que, apesar do valor limitado a R$ 500 mil, premiou projetos para preparar essas inovações para o mercado.