Decisão do STJ sobre proteção de sementes é vitória para o sistema de patentes

Um dos litígios patentários mais complexos do Brasil na atualidade teve um novo capítulo no mês de outubro, quando o Superior Tribunal de Justiça julgou a questão envolvendo a empresa Monsanto, sua soja transgênica e os produtores rurais.

Essa disputa, que remonta ao ano de 2009, envolve cerca de R$ 15 bilhões e tem em seu cerne a questão, até então muito controversa, acerca de uma possível dupla proteção para as ditas sementes: a proteção da semente em si, via Lei de Proteção de Cultivares (LPC), e a proteção da tecnologia genética, garantida pela Lei de Propriedade Industrial (LPI).

Para se entender melhor a discussão, importante destacar que cultivares são novas variedades de plantas, criadas com o objetivo de atender novas demandas da sociedade. De acordo com o artigo 2º da LPC, o certificado de proteção de cultivares é a “única forma de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no país”.

Entretanto, como proceder no caso de uma variedade cuja semente é geneticamente modificada, e tal modificação é protegida pelo sistema de patentes?

Até a decisão do STJ aqui discutida, havia duas correntes quanto à sobreposição de proteções: a primeira entendia pela interpretação literal e estrita do artigo 2º da LPC, não admitindo uma dita dupla proteção pelos sistemas de patentes e cultivares; enquanto que a outra corrente entendia que os dois dispositivos protegem objetos diferentes: o produto do cultivar, isto é, a variedade de plantas em si seria objeto de proteção pela LPC, ao mesmo tempo em que o processo de transgenia seria protegido pelo sistema de patentes, nos termos da LPI.

Nesse mesmo sentido, na disputa em questão, a Monsanto alegou que, de acordo com o previsto pela Lei de Propriedade Industrial, devem ser pagos royalties quando da utilização de suas sementes que compreendem modificação protegida por patente. Do outro lado, os produtores rurais, através de seus sindicatos, afirmaram que o caso deveria ser analisado única e exclusivamente sob a ótica da Lei de Proteção de Cultivares, que, por sua vez, isentaria os pequenos produtores dessa cobrança, com base nas exceções previstas no inciso IV do artigo 10.

De acordo com a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), tratam-se de duas proteções distintas: uma é a proteção da semente, e a outra a proteção do evento genético, decorrente de clara intervenção inventiva humana e, por conseguinte, protegida por patente. Assim, não há motivo para se falar em dupla proteção, tampouco qualquer impedimento na livre circulação de sementes de soja, em geral, no Brasil, exceto aquelas que compreendem modificações protegidas por patentes, até que termine seu período de vigência.

De forma consoante com esta opinião, em junho o STJ já havia afirmado que “nada impedia que os agricultores empregassem a soja convencional em seus plantios, mas a partir do momento que optaram pelo cultivo de sementes modificadas, por invenção patenteada, ‘inafastável o dever de contraprestação da tecnologia’”.

Em outras palavras, é possível fazer uso de qualquer soja. Entretanto, ao decidir utilizar a soja que possui modificação protegida por patentes e não qualquer outra, é necessário obedecer a tal proteção e pagar as retribuições devidas.

Em sequência, a Monsanto conseguiu importante vitória na disputa e o STJ fixou a tese de que as limitações previstas no artigo 10 da Lei de Proteção de Cultivares não se opõem aos direitos de titulares de patentes de produtos e/ou processos transgênicos, presentes no material reprodutivo, ou seja, nas sementes, de variedades vegetais.

A ministra relatora Nancy Andrighi, afirmou que “descabe excluir-se o direito de patentes sobre o produto de uma intervenção humana por técnica de transgenia — e que abranja todas as características próprias à proteção —, inclusive quando isto ocorra sobre uma cultivar.”


Luisa Ferreira Gonzalez Penna é advogada associada ao escritório Montaury Pimenta Machado & Vieira de Mello, atuante na área de Contencioso de Propriedade Intelectual, lidando, também, com questões de Concorrência Desleal, Publicidade e Nomes de Domínio.

Mônica Sichel Gurvitz é sócia do escritório Montaury Pimenta Machado & Vieira de Mello, graduada em Biomedicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-graduanda em Direito da Propriedade Intelectual na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Fonte: Webjornal Consultor Jurídico - https://www.conjur.com.br/2019-dez-05/opiniao-decisao-stj-protecao-sementes-vitoria-pais


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