Relatório do CNJ conclui que não é possível estabelecer uma tendência de crescimento.
A participação feminina na magistratura tem variado entre 35% e 46% há 20 anos, e estacionou em 40% em 2022. Quando consideradas as promoções no Judiciário, para as cadeiras de maior poder, a representação delas cai para 25%. Tanto é assim que dos seis Tribunais Regionais Federais, apenas um é presidido por uma mulher, o mais novo deles, da 6ª Região (Minas Gerais). E se consideradas apenas as magistradas negras, a participação da mulher cai ainda mais: 13% no primeiro grau e 11,2% na segunda instância.
Os dados constam no Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário e no relatório Participação Feminina na Magistratura: Atualizações 2023, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O relatório conclui que a série histórica não permite estabelecer qualquer tipo de tendência de crescimento. Nem projeções de quando seria possível alcançar o patamar de equidade de gênero na magistratura.
"A população brasileira é composta de 51,5% de mulheres e 48,5% de homens. É preciso que a mulher esteja no Poder Judiciário, porque o Judiciário dita normas de conduta, normas de moral", afirma a ministra Daniela Teixeira, a mais recente mulher indicada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A ministra lembra que, antes de ingressar na Corte superior, a última nomeação de uma mulher havia ocorrido no ano de 2013. A ministra destaca que entre 2023 e 2024, apenas 19 de 62 tribunais brasileiros (Superiores Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho) aumentaram o número de mulheres na composição. E 24 deles diminuíram.
Para a desembargadora Federal Mônica Sifuentes, presidente do TRF-6, "parece ser uma cultura arraigada, que estamos custando a romper, de que a mulher não é feita para cargo administrativo". "Ainda há preconceito do mundo masculino quanto a mulheres alcançarem cargos de chefia. No Judiciário, o cargo de chefia se equipara com os que dependem de promoção", afirma.
De forma geral, segundo a presidente do TRF-6, a discriminação é velada. "Você vê que a mulher vai falar no colegiado e, muitas vezes, é interrompida por colegas, coisa que eles não fazem entre eles. Há também a apropriação de ideias", afirma.
A justiça trabalhista é o ramo onde a participação feminina é maior, de acordo com o relatório do CNJ. O recorde é do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5), na Bahia, em que elas são 60% dos magistrados. Há menos mulheres na Justiça federal, onde a maior representatividade existe no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), de apenas 30%.
Na Justiça estadual, o tribunal com maior participação feminina nos quadros da magistratura é o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), com 48%. A maior Corte do país, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), tem 2.542 magistrados, dos quais 936 são mulheres. Dessas, 894 são juízas e 42 desembargadoras na ativa. Há 310 desembargadores homens.
Chama a atenção que o TJSP nunca teve uma presidente mulher, e teve sua primeira desembargadora em 1997, Luzia Galvão Lopes da Silva. A Corte explica que nunca uma desembargadora se candidatou a cargo. Para se candidatar à presidência é preciso ocupar o cargo de desembargadora ou desembargador, independentemente da antiguidade no cargo.
O TJSP afirma que também foi o primeiro a abrir concurso exclusivo para juízas, para provimento do cargo de desembargadora. O edital foi publicado em 22 de janeiro. A Corte adotou a Resolução nº 525, de 2023, do CNJ, que aprovou a criação de uma política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário.
"Parece haver uma cultura de que a mulher não é feita para cargo administrativo" - Mônica Sifuentes.
Na prática, com a resolução, as Cortes deverão usar uma lista exclusiva de mulheres, alternadamente, com a lista mista tradicional, nas promoções pelo critério do merecimento. O CNJ acompanha o cumprimento da resolução.
A ministra Daniela Teixeira afirma que sempre irá votar em uma mulher nas listas tríplices para o STJ. "Ninguém há de me convencer que, numa próxima lista de Ministério Público, não exista uma só promotora no Brasil inteiro que esteja habilitada para ser ministra do STJ", afirma. Para ela, é um esforço que tem que ser feito para, se não alcançar a paridade, melhorar a questão da representatividade.
"Para os homens é natural colocar quem eles têm mais afinidade ou com quem convivem mais e, naturalmente, eles convivem mais entre eles, porque a mulher normalmente tem dupla ou tripla jornada e dificuldade em sair depois do trabalho e confraternizar, como os homens", afirma a desembargadora.
"O argumento era de que as mulheres ingressaram no mercado de trabalho mais tarde e, com o tempo, a diferença iria se resolver. Vemos que não resolveu", afirma Liz Correa de Azevedo, que participa da coordenação do Movimento Nacional pela Paridade no Poder Judiciário e é juíza federal em Pernambuco.
Ajuíza afirma que existem poucas pesquisas sobre o tema, especialmente que tentem entender por que os dados estão estacionados. Segundo ela, as poucas pesquisas acadêmicas que apontam quais poderiam ser os motivos da estagnação mostram um espelhamento das dificuldades das mulheres na sociedade como um todo, como dupla jornada, maternidade e a percepção social de a mulher não ter condição de lidar com o poder. Liz projeta que uma das possibilidades para a magistratura federal ter menor participação feminina seria a grande mobilidade entre cidades, com mais "idas e vindas".
A advogada Priscila Corrêa da Fonseca, que entrou na carreira em 1978, fundou seu escritório há 36 anos e atua muito em prol dos direitos das mulheres, observa que ainda hoje há uma relutância em permitir que elas venham a integrar os quadros da magistratura de segundo grau. "Ao que parece, vige, hoje, ainda, o mesmo preconceito com que me defrontei nos anos 80 e 90 quando integrei, como representante da OAB, a banca de ingresso de concurso para a Magistratura e Ministério Público", diz.
Sócia e líder do Comitê de Diversidade e Inclusão do escritório Montaury Pimenta, Machado e Vieira de Mello, a advogada Joana de Mattos Siqueira diz que em todos os âmbitos do direito as mulheres ainda enfrentam dificuldades para crescer na carreira e chegar a posições de liderança. Ela destaca que o aumento da presença feminina nos tribunais promoveria um ambiente que inspiraria futuras gerações de profissionais do direito.
Por meio de nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) disse defender como medida para a igualdade de gênero a instituição das eleições diretas para a escolha dos cargos diretivos dos tribunais. Considera que, embora longe do ideal, a participação das mulheres na Justiça cresce gradativamente.