Brasileiro encontra modelo semelhante na Carolina do Norte; semelhança fere direito autoral da empresa.
Ailson César Ferreira, 50, um mineiro que mora há seis anos nos Estados Unidos, ficou confuso ao ver um ônibus igual ao da Viação Cometa em um estacionamento em Lumberton, na Carolina do Norte.
“Fui pegar um sorvete no Walmart, vi o ônibus, gravei e postei no Facebook. Era só para mostrar para os meus amigos”, diz. O vídeo já tem 23 mil visualizações.
Ferreira lamenta não ter gravado a placa e não ter tentado falar com o motorista para entender por que um ônibus da Cometa circulava nos Estados Unidos. “Eu estava tão cansado que não pensei muito, estava fazendo uma viagem da Flórida para Mount Vernon [cidade que faz divisa com Nova York]."
Wellington Mendes, busólogo da Ônibus, Minha Segunda Casa –projeto que divulga informações sobre esse tipo de transporte nas redes sociais–, foi atrás da história.
“Procurei no Google até chegar a JC Lomer, que é a marca original da frota”, diz. Conversou com os donos da agência de turismo via Instagram e descobriu que é baseada no estado mexicano de San Luís Potosí, cuja capital homônima fica a cerca de 400 km ao norte da Cidade do México.
A Folha tentou contato com a empresa mexicana, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Segundo Mendes, um aficionado por ônibus desde criança, a JC Lomer tem 11 veículos em sua frota, todos com a mesma identidade visual da versão brasileira. Enquanto dez usam a marca JC Lomer, apenas um leva o nome Cometa.
A agência mexicana é especializada em viagens de longa distância. Existem partidas de seis cidades no México com destino a outlets e locais como Alabama, Texas, Wisconsin e até para o Canadá.
A pintura adotada pela JC Lomer reproduz aquela usada pela Viação Cometa assim que foi adquirida pelo grupo JCA, em 2001. Hoje, a empresa brasileira já não tem a mesma identidade visual.
“Ainda existem ônibus com a pintura usada pela mexicana, mas são veículos mais antigos”, diz o busólogo. “Os novos adotam a nova identidade: pintura em azul mais escuro e sem o ‘Hale-Bopp’ [um dos maiores cometas observados no século 20]”.
Mendes diz que a JC Lomer usou a identidade visual da Cometa por considerá-la criativa —seria uma homenagem.
Procurada, a JCA, dona da Viação Cometa, não quis comentar o caso.
A apropriação de identidade visual e de marcas é muito comum dentro e fora do Brasil, diz Flávia Tremura, sócia da área de marcas no Kasznar Leonardos, escritório especializado em propriedade intelectual.
“Não existe um direito mundial, as proteções são próprias em cada país”, diz. “Uma empresa mexicana que usa uma marca brasileira não comete infração, já que são legislações diferentes."
Mas, como a versão mexicana tem a apresentação visual idêntica a um modelo da empresa brasileira, até caberia uma discussão sobre direito autoral, explica a advogada.
“Isso é uma violação desse conjunto de imagens, e a Cometa pode entrar com um processo no México caso queira."
Luiz Edgard, presidente da ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual) e sócio do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello, afirma que já enfrentou casos semelhantes.
“É comum acontecer com empresas brasileiras em outros países, como China, Argentina e Colômbia”, diz.
Edgard lembra da Silimed, uma fabricante de implantes de silicone que resolveu exportar para a Coreia do Sul. Quando iniciaram a conversa, souberam que um cirurgião coreano tinha a marca registrada no país. Durante alguns anos, tiveram que pagar royalties para o médico, até que conseguiram o registro.
“É uma briga demorada, deve ser feita no país que está exportando, e algumas empresas não chegam a pensar nisso."
“Embalagens, garrafas de cerveja, de perfume e até posto de gasolina exemplos de produtos e serviços que costumam gerar cópia”, afirma o advogado. “Mas, primeiramente, a titular da marca tem que se incomodar com isso. Se não, segue a vida."
Fonte: Folha de São Paulo - Acesse aqui | Download PDF