O papel das patentes como estímulo à inovação

A Lei 9.279/96, de 16 de maio de 1996 (“Lei da Propriedade Industrial”) surgiu a partir de modificações da legislação interna em vigor até então, para adequá-la ao acordo TRIPS (“Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights”), integrante do conjunto de documentos firmados em 1994 que encerraram a Rodada do Uruguai. O TRIPS passou a valer no país por meio do Decreto n° 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

Dentre as novidades1 , a Lei da Propriedade Industrial trouxe a inclusão da patente para substâncias, matérias ou produtos obtidos por meio de processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação; o “pipeline”, o certificado de adição de invenção; o registro dos desenhos industriais; as marcas coletivas e de certificação; a substituição das indicações de procedência por indicações geográficas; os crimes contra a propriedade industrial e o entendimento de que a proteção aos direitos industriais efetua-se mediante a repressão à concorrência desleal2.

A Lei de Propriedade Intelectual é, sem dúvida, o marco que inseriu o Brasil no cenário do comércio internacional, visto que, com o seu advento, o país sinalizou o reconhecimento e a importância dos direitos da Propriedade Intelectual, passando, assim, a ter mais credibilidade e voz na Organização Mundial do Comércio (OMC), podendo, também, concorrer com os países mais desenvolvidos no que se refere ao comércio e indústria mundiais.

No entanto, apesar do grande avanço à época, é fundamental sempre evoluir e dar continuidade na criação de um ambiente cada vez mais favorável à inovação, de forma que os ganhos de produtividade dela decorrentes traduzam-se em alicerces duradouros para o desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira.

Neste sentido, por exemplo, o GII (Global Innovation Index3) é uma valiosa ferramenta que avalia o nível de potencial inovador que pode orientar o desenvolvimento de políticas e práticas que estimulem a inovação. Segundo o relatório de 2022, observa-se que o Brasil melhorou no último ano, mas, ainda está em 54º lugar no cômputo geral, 9º entre os emergentes e 9º na América Latina. Estamos atrás de países como Índia, Vietnã e Malásia, por exemplo.

Ainda segundo o mesmo relatório, “Inovação é crucial para aumentar a produtividade em economias emergentes com dificuldades recentes relacionadas ao crescimento, como o Brasil”4.

Inúmeros estudos indicam que o estímulo às inovações e à adoção de novas tecnologias permite que as empresas promovam ganhos de produtividade sustentáveis e melhoria na competitividade, não havendo dúvidas de que “a inovação tecnológica é um tipo de investimento desejável para o crescimento de longo prazo”5.

Para tanto, criar condições que sinalizem positivamente que o Brasil possui um ambiente amigável às inovações, externas ou internas, é essencial para um país que precisa crescer e desvencilhar-se do estigma de economia periférica, subdesenvolvido. A patente não é, obviamente, um fim em si mesmo, mas deve ser inserida no conjunto da estratégia maior de desenvolvimento nacional.

2 • Cenário atual do sistema de patentes brasileiro e os desafios para a criação de um ambiente nacional atrativo à inovação

A concessão mais rápida e eficiente de direitos de Propriedade Industrial é condição primeira para melhoria do ambiente de inovação no país, pelo aumento da segurança jurídica. Isto porque a exclusividade para o invento só vem com a concessão da patente, conforme artigo 42 da Lei nº 9.279/1996. Ou seja, enquanto a patente não é concedida, o seu titular não pode impedir terceiros de utilizar a invenção.

Alinhado à necessidade de tornar o Brasil um solo fértil à inovação, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) implementou, em agosto de 2019, o que certamente foi um dos projetos mais significativos de sua história. O Plano de Combate ao Backlog, instituído com o objetivo de reduzir em 80% o estoque de pedidos de patente pendentes de decisão em um período de dois anos, atingiu a meta proposta em março de 2022, cerca de sete meses além da previsão. Para alcançar tal feito, o INPI adotou uma estratégia simples: fez uso dos resultados de exame técnico realizados em outras jurisdições, principalmente aquelas cuja prática é semelhante à brasileira, tal como o exame realizado pelo Escritório de Patentes Europeu - European Patent Office (EPO). Desse modo, os requerentes tiveram a oportunidade de apresentar emendas voluntárias e/ou argumentos técnicos antes que o examinador brasileiro precisasse analisar o mérito das invenções propostas e, muitas das vezes, emitir pareceres muito semelhantes em conteúdo, se comparados aos de outros países. Essa nova modalidade de exigência técnica, denominada exigência preliminar, trouxe bastante celeridade ao processamento dos pedidos de patente, além de ser eficiente na eliminação de pedidos nos quais os depositantes já não possuíam interesse.

De acordo com dados disponíveis no site do INPI, dentre os 149.912 pedidos de patente pendentes de exame técnico em 01 de agosto de 2019 (data de início do projeto), um total de 134.778 pedidos foram examinados em pouco mais de 3 anos, reduzindo, assim, o backlog em cerca de 90%. Além disso, dentre os 14.565 pedidos de patentes ainda pendentes, 13.430 já se encontram em análise, conforme pode ser observado no gráfico a seguir6:

Cenário atual do sistema de patentes brasileiro e os desafios para a criação de um ambiente nacional atrativo à inovação - 1

Analisando-se em detalhes o gráfico acima, é possível notar que uma quantidade relevante de pedidos de patente foi definitivamente arquivada, o que confirma a eficiência da adoção das exigências preliminares como meio de combate ao backlog. Do contrário, os examinadores teriam dispendido um tempo considerável para realizar buscas de anterioridades e emitir um primeiro parecer técnico para quase 62 mil pedidos que seriam subsequentemente abandonados.

Todavia, apesar do louvável resultado obtido pelo INPI em seu projeto de combate ao backlog, algumas divisões técnicas ainda padecem de um atraso significativo na análise de pedidos de patente. O gráfico a seguir mostra a situação atual por área tecnológica7:

Cenário atual do sistema de patentes brasileiro e os desafios para a criação de um ambiente nacional atrativo à inovação - 2

Atualmente, as áreas mais afetadas pelo atraso na concessão de patentes no Brasil são, nessa ordem: química, engenharia elétrica e engenharia mecânica. Somente a área de química, que inclui pedidos de patentes nas áreas farmacêutica e de biotecnologia, é responsável por quase 44% do backlog atual. Algumas razões podem ser apontadas para justificar esse cenário, tais como: a complexidade e extensão dos pedidos nas áreas de biotecnologia, farmácia, eletrônica e de telecomunicações, bem como a escassez de examinadores nas referidas áreas técnicas. Essa afirmação se reflete nos dados fornecidos pelo INPI em relação ao tempo médio de análise por divisão técnica.

Outro ponto de atenção diz respeito à diferença de tempo médio de análise de recursos, que também varia consideravelmente, a depender da divisão técnica envolvida. A divisão de tecnologia em embalagens, por exemplo, tem um tempo médio de decisão de 483 dias. Já na divisão de bioquímica e correlatos, esse tempo aumenta para 1.196 dias, contabilizando mais de 700 dias de diferença (quase dois anos). Outras divisões que ultrapassam 1.000 dias de espera são: petróleo e engenharia química (1.009 dias), metalurgia e materiais (1.046 dias) e necessidades humanas (1.109 dias).

Como pode ser observado, a situação na segunda instância do INPI é ainda mais crítica do que na primeira, pois pelo menos cinco divisões técnicas possuem tempo de espera superior a mil dias para a análise de um recurso. Essa demora gera insegurança jurídica não apenas para o requerente do pedido de patente, que deseja obter proteção para sua tecnologia, mas também para terceiros interessados em explorar a tecnologia proposta, caso o pedido seja indeferido pelo INPI.

Assim, depreende-se que agilidade deve constar em todas as fases de processamento do pedido, i.e., exame formal, primeira e segunda instâncias. Com a conclusão do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 5529, em maio de 2021, cuja consequência é que qualquer patente concedida desde então terá o prazo de 20 anos contados do depósito, sem o benefício do parágrafo único ao artigo 40 da LPI8, cujos efeitos foram mitigados a partir de tal julgado, essa agilidade faz-se ainda mais necessária. Eventuais demoras, não justificadas, por exemplo, podem desencadear desistência dos pedidos de patente ou o recurso à via judicial.

Isto se liga diretamente ao outro grande desafio: o de ter um INPI capaz de prestar serviços de maneira mais eficiente.

Para isto, o INPI deveria, no mínimo, receber investimentos constantes para aprimoramentos de sua estrutura, maquinários e recursos humanos. Idealmente, o INPI deveria ser financeiramente autônomo para gerir seu orçamento. Neste aspecto, embora o INPI seja um órgão superavitário há anos sempre sofreu sucessivos contingenciamentos. Neste ano de 2022, por exemplo, o orçamento do INPI seria de R$ 70 milhões, mas foi reduzido para R$ 33,9 milhões, insuficiente para manter o seu quadro de servidores. Assim, o INPI anunciou, no início do ano, a demissão de 40% do seu quadro de terceirizados e a redução do horário de funcionamento.

O outro desafio é de natureza técnica.

O INPI, por meio das diretrizes de exame, assume posicionamento bastante restritivo com relação a algumas áreas técnicas, principalmente as relacionadas à farmácia e à biotecnologia. É crucial o estabelecimento de um ordenamento que consiga evoluir e acompanhar a evolução científica e tecnológica e a ciência, de modo a assegurar uma proteção mais adequada e segurança jurídica aos players.

Por exemplo, a Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/1996 estabelece que seres vivos ou parte deles, e materiais biológicos encontrados na natureza não são considerados invenção e, portanto, não são patenteáveis (artigo 109). Ao definir o que é material biológico, o INPI, por exemplo, considera que extrato isolado de material biológico, ainda que enriquecido com determinadas frações ou substâncias e, portanto, não encontrado na natureza como tal, estaria contido na proibição do artigo 10. Cabe esclarecer que muitas pesquisas realizadas com patrimônio genético brasileiro são baseadas em extratos preparados a partir de materiais encontrados na natureza para os quais se estabelece uma utilidade. Hoje, da forma como a matéria é interpretada pelo INPI, os pesquisadores têm dificuldades em proteger eventuais inovações e/ou invenções baseadas em extratos. Assim, o posicionamento excessivamente restritivo do INPI desfavorece muito a competitividade das empresas e instituições brasileiras de pesquisa que têm como foco justamente o estudo e a exploração destes componentes biológicos isolados da natureza.

Melhor seria se, ao invés de simplesmente excluir a possibilidade de patenteabilidade, houvesse uma atualização da Lei de Propriedade Intelectual, que pouco evoluiu desde o seu surgimento, além de estabelecimento de regramentos e critérios de exame mais maleáveis para contemplar ou melhorar o cenário de patenteabilidade de certas soluções técnicas, como por exemplo, as desenvolvidas a partir de materiais biológicos.

Outro desafio, de política pública de inovação, é garantir o fomento regular e constante à pesquisa brasileira, além de aumentar a interação entre o setor acadêmico e a indústria.

Neste aspecto, interessante notar que o Brasil é o 13° em termos de número publicações de artigos revisados por pares produzido entre 2011 e 2016, e a maioria dos artigos foi resultado de pesquisa conduzida por universidades públicas. Apenas 1% dos artigos científicos brasileiros publicados entre 2011 e 2016 tinham um autor da indústria, sendo a maior parte dos colaboradores da indústria pesquisadores de grandes farmacêuticas estrangeiras10.

Nesta mesma direção, o INPI mostra que os maiores depositantes nacionais de pedidos de patente são as universidades, sendo tímida a participação do setor privado11.

Ainda, no Brasil, a indústria emprega poucos doutores: cerca de 95% estão nas universidades e somente 1,7% nas empresas12.

Com os sucessivos cortes orçamentários para pesquisa e desenvolvimento (“P&D”), a ciência brasileira como um todo vive um momento delicado e difícil. Portanto, seria importante neste momento não só manter um mínimo de editais de fomento públicos constantes como também promover ações para aumentar a interação entre academia e empresas e estimular a entrada do setor privado no financiamento de P&D. Um dos desafios encarados pelas empresas é, por exemplo, enxergar as patentes como prioridade para seus negócios, como forma de angariar competitividade.

Sendo assim, para auxiliar no impulso à competitividade brasileira, uma das ações urgentes é que o INPI tenha autonomia para investir em projetos de modernização, que viabilizem a infraestrutura necessária aos usuários do sistema de patentes brasileiro. Caso contrário, a competitividade das empresas continuará sendo prejudicada, desestimulando a inovação no país e a consequente busca por proteção patentária.

3 • Conclusão

Com base no histórico do sistema de patentes brasileiro e no cenário atual do INPI, nota-se uma drástica evolução em termos de eficiência, engajamento e modernização do Instituto, com vistas a alcançar patamares elevados de excelência observados em escritórios estrangeiros cujos sistemas de patentes são considerados como referências na qualidade e agilidade no exame técnico de pedidos de patente.

Por outro lado, conforme apontado no capítulo anterior, diversas deficiências precisam ser urgentemente sanadas, por exemplo, no que tange a harmonização do tempo de exame entre as diversas divisões técnicas do Instituto. Para tanto, esforços financeiros precisariam ser concentrados na solução dos problemas específicos de cada divisão, uma vez que as matérias examinadas divergem em complexidade e extensão.

Uma solução que parece eficaz e acertada no curto prazo seria a autonomia financeira do Instituto, já que se trata de uma autarquia superavitária, mas que pouquíssimo usufrui do volume financeiro que recolhe. Quanto a esse ponto em particular, há de se comentar que já tramita ação civil pública proposta pela ABPI para que a autarquia possa utilizar integralmente os recursos que arrecada. A decisão proferida na ação civil pública 5095710-55.2021.4.02.5101/RJ em 12 de abril de 2022 pela juíza Caroline Tauk, da 31ª Vara Federal do RJ, previa um prazo de 90 dias para que o INPI apresentasse um relatório apontando suas necessidades estruturais e orçamentárias, bem como um plano de atividades para atender às necessidades listadas.

Espera-se que o resultado da ação judicial supracitada seja positivo para o INPI e, consequentemente, para todo o ecossistema de inovação brasileiro, estimulando um ambiente inovador e compatível com países com alto nível de desenvolvimento tecnológico.

Fonte:

O papel das patentes como estímulo à inovação Revista ABPI, Ed. 181 | Nov/Dez | 2022 - Especial 30 anos | Pág. 89:  Acesse aqui   |   PDF Download


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