Entre vapers, cannabis e apostas online: a posição do INPI quanto à registrabilidade de marcas referentes a novas tecnologias
Com a evolução tecnológica, surgem novas modalidades de tecnologias cujo consumo, exploração e comercialização no Brasil são proibidos pela legislação vigente ou dependem de aprovação ou autorização de autoridade regulatória, como, por exemplo, os cigarros eletrônicos, os produtos à base de cannabis e as apostas online.
Com a evolução tecnológica, surgem novas modalidades de tecnologias cujo consumo, exploração e comercialização no Brasil são proibidos pela legislação vigente ou dependem de aprovação ou autorização de autoridade regulatória, como, por exemplo, os cigarros eletrônicos, os produtos à base de cannabis e as apostas online.
Com isso, indaga-se sobre a viabilidade de registro de marcas, perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, para identificar produtos e serviços relativos às referidas tecnologias, notadamente às que são proibidas ou consideradas ilícitas sob a legislação vigente, ou não obtiveram aprovação/autorização da autoridade regulatória competente.
Historicamente, pedidos de registro de marcas referentes a produtos e serviços proibidos ou considerados ilícitos no Brasil costumam ser indeferidos pelo INPI com base no artigo 124, III da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96 – “LPI”), que proíbe o registro, como marca, de “expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou a imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração”, bem como no artigo 128, §1º da LPI, o qual determina que “as pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição, sob as penas da lei”.
Neste artigo, será analisado o posicionamento do INPI a respeito da possibilidade de registro de marcas para identificar produtos e serviços relacionados especificamente a cigarros eletrônicos, produtos à base de cannabis e apostas online.
I • Cigarros Eletrônicos:
Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes ou vapers, surgiram nos anos 2000 e tiveram crescimento exponencial de popularidade nos últimos anos, especialmente entre jovens e adolescentes.
No Brasil, a comercialização, importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar são proibidas desde 20091 , em razão de Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional da Vigilância Sanitária - ANVISA (RDC nº 46/20092), agência reguladora que possui a finalidade institucional de promover a proteção da saúde da população.
Considerando que a ANVISA proíbe de comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos com o intuito de preservação da saúde pública, surge a indagação sobre a viabilidade de registro de marcas para identificar produtos e serviços relacionados a cigarros eletrônicos perante o INPI.
Com base em pesquisa realizada no banco de dados do INPI, verifica-se que o referido Instituto não tem feito objeções ao registro de marcas para identificar produtos e serviços relacionados a cigarros eletrônicos, e que vem concedendo registros para as referidas marcas sem qualquer ressalva.
Quanto às marcas de produtos, o INPI tem permitido o registro para identificar tanto os cigarros eletrônicos em si, quanto acessórios e refis para os referidos produtos, como líquidos à base de nicotina para cigarros eletrônicos, aromas para uso em cigarros eletrônicos e baterias e carregadores para cigarros eletrônicos. Como exemplos, podemos citar as seguintes marcas registradas nas classes 09 e 34: JUUL (registro nº 909675449), VOOPOO (registro nº 919585345), VAPORESSO (registro nº 91348846), GREEN VAPE (registros nºs 909299005, 909299064 e 909299064), GLO (registros nºs 917136578, 910711496 e 917137434), VUSE (registros nºs 918294444 e 840163851), IQOS (registros nºs 907695779 e 907695965).
Além disso, o INPI também tem permitido o registro de marcas para identificar serviços relacionados a cigarros eletrônicos, inclusive serviços referentes às atividades proibidas pela RDC nº 46/2009 da ANVISA, como serviços de venda a varejo (por meios físicos e online) de cigarros eletrônicos, e serviços de marketing e de fidelização de clientes relacionados a cigarros eletrônicos. Como exemplos, podemos citar as seguintes marcas registadas na classe 35: VAPE WORLD (registro nº 907807755), VAPE&CO (registro nº 913458325), JUUL (registro nº 914569406), GLO (registro n º 913739510), IOQS (registro nº 921318120) e WINNOW (registro nº 915078740).
Por fim, é interessante notar que algumas das grandes empresas multinacionais de tabaco, como Philip Morris, British American Tobacco e Japan Tobacco, estão expandindo o escopo de proteção de suas tradicionais marcas de cigarros, incluindo MARLBORO, LUCKY STRIKE, CARLTON, CAMEL e PARLIAMENT, e pleiteando novos registros para as referidas marcas no Brasil incluindo cigarros eletrônicos.
II • Cannabis
A cannabis – popularmente conhecida como maconha – é planta da família das canabiáceas que, em razão dos seus componentes psicotrópicos, é tida como droga ilícita para usos recreativos, em muitos países, incluindo o Brasil.
No entanto, hoje é sabido que a cannabis possui versatilidade medicinal e industrial. Isto porque, além dos componentes psicotróprios, a cannabis também possui princípios ativos com importantes ações terapêuticas e constituição vegetal que possibilita a fabricação de papel e fios para a confecção de tecidos e roupas.
Como a cannabis é considerada uma droga ilícita no Brasil3, o entendimento majoritário do INPI, até pouco tempo atrás, era sobre a impossibilidade de registro de marcas cujo nome ou logotipo fizessem alusão a “cannabis” ou suas variações (como “maconha” e “hemp”), independente do produto ou serviço reivindicado no pedido de registro, com base no artigo 124, III da LPI. Como exemplos, podemos citar os seguintes pedidos de registro de marcas em variadas classes, todos indeferidos pelo INPI: CANNABIS STORE AMSTERDAM BRASIL ORIGINAL AMSTERDAM (pedido nº 915878682 na classe 35), RSHO Real Scientific Hemp Oil (pedido nº 908890176 na classe 05), CAPITÃO HEMP (pedido nº 824614380 na classe 35), THE ORGANIC HEMP LINE CERTIFIED ORGANIC PRODUCTS (pedido nº 914546821 na classe 03) e NATUCANNABIS (pedido nº 917349407 na classe 03).
O cenário, no entanto, começou a mudar consideravelmente após a aprovação, pela ANVISA, das seguintes resoluções: (i) RDC 327/20194 , que dispõe sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil e sua venda em farmácias; e (ii) RDC 335/20205, que define critérios e procedimentos para importação de produtos derivados de cannabis por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A aprovação das referidas resoluções pela ANVISA impulsionou o INPI, a partir de 2020, a deferir diversos pedidos de registro para marcas desse setor, conforme exemplos a seguir: ADWA Cannabis (registro nº 921506899, na classe 05, para “cannabis para uso medicinal”), Alkannabis (registro nº 923358528, na classe 05, para “cannabis para uso medicinal”), BE HEMP (registro nº 919056814, na classe 05, para “medicamentos para uso humano”) e DOUTOR CANNABIS (registro n. 921203128, na classe 05, para “cannabis para uso medicinal”).
No entanto, ainda assim é possível encontrar alguns indeferimentos posteriores de pedidos de registro para marcas compostas por “cannabis” e variações, com base na proibição legal do artigo 124, III da LPI, mesmo para produtos e serviços que, hoje, são permitidos pela ANVISA. Como exemplos, podemos citar os seguintes pedidos de registro de marcas: HEMP OIL CIBDEX DROPS COMPLEX (pedido nº 909551383, na classe 05, para “medicamentos para uso humano”), HEMPMEDS BRASIL (pedido nº 908468806, na classe 05, para “ervas para fumar para uso medicinal”), CANNABIZZZ (pedido nº 920157580, na classe 05, para “suplementos de ervas; bebidas de ervas usadas para ajudar no sono e relaxamento; preparações naturais para auxílio ao sono”), DERMOHEMP (pedido nº 501607445, na classe 05, para “medicamentos; infusões de ervas medicinais”), e BRASIL CANNABIS EXPO & CONFERENCE (pedido nº 917779096, na classe 35, para “serviços de promoção de campanhas publicitárias com vistas à prevenção de doenças, a título de assistência social”).
Assim, muito embora o INPI pareça estar alinhado com a evolução do posicionamento da ANVISA sobre a questão, ainda existem decisões inconsistentes.
III • Apostas online
A prática ou exploração de jogos de azar no Brasil é proibida pelo Decreto-Lei nº 9.215 de 19466, que ainda permanece em vigor e restaura o artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 19417), segundo a qual são considerados jogos de azar: (a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; (b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; e (c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
A despeito dos referidos dispositivos legais, nos últimos anos viu-se o surgimento, quase massivo, de plataformas de e-sports anunciando diversos sites e aplicativos de apostas online, valendo-se, inclusive, de figuras famosas no Brasil para atrair usuários brasileiros para tais plataformas.
Como a maior parte dos provedores de serviços de apostas online não operam diretamente no Brasil, mas por meio de sites hospedados em servidores no exterior, com endereço eletrônico estrangeiro, eles conseguem escapar do âmbito de incidência da legislação brasileira, que proíbe a exploração de jogos de azar no Brasil.
A fim de tentar coibir a referida prática, a Lei nº 13.155, de 20158, modificou o §2º, do artigo 50, da Lei das Contravenções Penais, determinando a incidência de pena de multa para aquele que for encontrado participando de jogo de azar, ainda que pela Internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.
Em sentido oposto, o ex-Presidente do Brasil, Michel Temer, sancionou a Lei 13.756, de 20189 , ainda pendente de regulamentação, que busca legalizar as apostas esportivas, desde que alguns requisitos sejam atendidos.
Com relação ao posicionamento do INPI sobre a possibilidade de registro de marcas relacionadas a apostas online e jogos de azar, uma pesquisa na base de dados do referido Instituto revela a existência de decisões nos dois sentidos.
Por um lado, há vários registros concedidos para marcas relacionadas a apostas e jogos de azar, conforme exemplos a seguir: NETBET (registro nº 913717860, na classe 41, para “apostas esportivas em jogos; apostas esportivas on-line; serviços de jogos de poker; serviços de aposta esportiva pela internet ou por qualquer meio ou sistema de telecomunicações”, NSX SPORTS BETTING PLATFORM (registro nº 923973575, na classe 41, para “serviços de jogos de azar ou apostas”, Bet & Resenha (registro nº 923508740, na classe 41, para “serviços de jogos de azar ou apostas”) e BOLADA.BET (registro nº 922163502, na classe 41, para “serviços de jogos de azar ou apostas”).
“Preste esclarecimentos sobre a licitude do serviço reivindicado como “serviços de jogos de azar ou apostas” ou o substitua por item lícito compatível com a classe reivindicada. A licitude do serviço poderá ser esclarecida, por exemplo, mediante a: (i) declaração do requerente de que o serviço se destina a finalidade diversa da exploração comercial de jogos de azar [serviços de jogos ou apostas não financeiras, exceto para exploração comercial de jogos de azar]; (ii) apresentação de decisão judicial autorizando a prestação de serviços relacionados; (iii) apresentação de norma de poder público regulador ou fiscalizador que autorize a atividade declarada pelo requerente”.10
Verifica-se, portanto, que o INPI não tem sido consistente e proferido decisões divergentes sobre a possibilidade de registro de marcas para proteger serviços de apostas online e jogos de azar em geral.
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que o INPI tem permitido o registro de marcas para identificar produtos e serviços relacionados a cigarros eletrônicos, a despeito da proibição da ANVISA.
Já no caso de marcas referentes a produtos à base de cannabis (até mesmo para uso medicinal) e apostas online, o INPI parece não ter um posicionamento consolidado sobre a questão, como se pode constatar pelas diversas decisões divergentes encontradas em nossa pesquisa.
No caso da cannabis para uso medicinal, por exemplo, tal situação gera insegurança às empresas deste segmento de mercado que, apesar de exercerem atividade lícita no país e regulada pela ANVISA, correm o risco de enfrentar obstáculos para a devida proteção de suas marcas, que são o ativo intangível mais importante do empreendimento.
O ideal seria que o INPI pacificasse o seu entendimento a respeito da possibilidade de registro de marcas referentes a novas modalidades de tecnologias cujo consumo, exploração e comercialização no Brasil são proibidos pela legislação vigente ou dependem de aprovação ou autorização de autoridade regulatória, a fim conferir segurança jurídica àqueles que desejam proteger suas marcas no país.
Fonte:
Revista ABPI, Ed. 181 | Nov/Dez | 2022 - Especial 30 anos | Pág. 84: Acesse aqui | PDF Download