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Protocolo de Madri - Perspectivas sobre a implementação

Muito se tem discutido sobre o recente acesso do Brasil ao acordo de Madrid relativo ao registro internacional de marcas. A maior parte, no entanto, a respeito de questões legais que permeiam essa adesão.

A despeito da existência de todos esses estudos, pouco se tem falado sobre as repercussões no âmbito econômico para os agentes que atuam no cenário da propriedade intelectual no Brasil, no momento seguinte a implementação das regras desse acordo

E, para começar é imperioso reconhecer o fato de que haverá, sem dúvida alguma, a redução nas receitas dos advindas de serviços ligados ao deposito de novos pedidos de registro e as prorrogações decenais.

De nada adianta acreditar que iremos entrar numa nova fase de trabalhos e que, mesmo assim, conseguiremos manter a formatação conhecida e empregada há anos por todos que prestam serviços na área de PI.

Isso simplesmente não irá acontecer e a redução de receitas originárias desses serviços específicos é certa.

Compreendendo isso, podemos avançar na discussão sobre como iremos nos portar face à essa nova realidade.

O primeiro passo é constatar que essa redução não irá atingir a todos de forma igual e uniforme, pois os pedidos originários de empresas brasileiras depositados no Brasil somam 75% do total de 200.000 novos processos que são protocolados no INPI todos os anos.

Portanto, na contabilidade de eventuais perdas, podemos retirar uns 150.000 processos que não estão afetos às regras do Protocolo.

Do restante, cerca de 50.000, muitos vem de países que, apesar de fazerem parte do Sistema de Madrid, optam por não utilizá- lo com frequência, de modo que tais pedidos continuarão a ser enviados diretamente ao correspondentes brasileiros, como sempre foram.

Assim, apesar de ser vital aceitar a existência de eventuais perdas, é importante dimensioná- las para então, fazermos a comparação com os ganhos que também virão.

O primeiro deles é para empresas nacionais que, com a adesão ao sistema de Madrid, poderão expandir a proteção de suas marcas no exterior de uma forma menos onerosa.

Alega-se que nem todas as empresas irão se valer desse sistema internacional de registro de marcas, no que estão absolutamente certos.

Mas é preciso reconhecer que todo processo de mudança demanda algum tempo para ser plenamente entendido e absorvido, de modo que é compreensível que, num primeiro momento, somente um pequeno número de empresas brasileiras venham fazer uso imediato do sistema de proteção internacional, mas que com o tempo e também com a necessidade de inserção no mercado internacional, muitas mais irão usar o Protocolo para seus registros no exterior.

Também com o tempo os profissionais brasileiros que prestam serviços na área da Propriedade Intelectual irão se acostumar com as particularidades do sistema e, assim, se habilitarão a demonstrar a seus clientes as vantagens da utilização de Madrid.

Portanto, em relação a esse primeiro ponto, acredita-se que além dos benefícios iniciais decorrentes da redução de despesas com o registro no exterior, as empresas, pouco a pouco irão se educar sobre as vantagens da utilização do Protocolo.

O próximo grupo de beneficiados é composto por empresas estrangeiras que precisam registrar suas marcas num mercado consumidor tão grande como o brasileiro.

Assim como as empresas brasileiras, as estrangeiras também trabalham como a alocação de recursos para o registro internacional de suas marcas e, por isso, qualquer redução no custo dessa operação irá permitir que mais países sejam acrescidos à lista.

Existe ainda um outro aspecto relacionado a esse tema e que é pouco discutido pelos profissionais de PI.

Trata-se do processo de liberação dos valores a serem utilizados no registro internacional das marcas que, quando não envolve somas muito expressivas, é feito diretamente pelo departamento encarregado da exportação dos produtos.

Por outro lado, para projetos mais caros, portanto sem o auxílio do Protocolo, essas mesmas liberações precisam ser previamente aprovadas pelos Departamentos Jurídicos das empresas, o que significa não somente um atraso na materialização do processo como também a possibilidade de que o Brasil nem seja escolhido como uma pais-chave em razão dos custos.

O terceiro beneficiário dessa adesão é nosso próprio INPI que, fazendo parte de um grupo de agências internacionais que se compromete a realizar determinados serviços burocráticos dentro de um padrão previamente acordado, acabara adotando metodologias que irão beneficiar a todos.

Nesse ponto, parece não haver dúvidas de que a delonga no procedimento de registro de marcas em nosso INPI é um enorme obstáculo tanto aos clientes como também aos próprios escritórios que possuem um grande estoque de pedidos ainda não examinados e concedidos e, por isso mesmo, não faturados.

Ora, havendo aumento no ritmo de processamento desses pedidos, mesmo que, como visto acima, com a perda da receita de alguns depósitos o fato é que no computo final, haverá mais decisões a reportar e uma quantidade maior de trabalho nas áreas de oposições e recursos.

A verdade é que com essa exposição ao cenário internacional, os procedimentos burocráticos do INPI acabam ficando mais transparentes e fáceis de serem antecipados pelos representantes legais. Portanto, com vantagem para todos os implicados no registro de uma marca.

Mas existe ainda um quarto grupo de interessados que se beneficiará com a adesão do Brasil ao sistema de Madrid e esse é composto pelos agentes e demais profissionais que trabalham com propriedade intelectual no Brasil.

Sim, é verdade que haverá redução na entrada de receitas derivadas dos novos pedidos de registro e prorrogações, mas, como demonstrado acima, essa contração incidirá sobre um número bem menor de processos que se havia imaginado inicialmente.

Sabendo disso com antecedência, boa parte dos profissionais já se adequou às exigências dos novos tempos e reduziram os valores cobrados para a realização de novos pedidos e para a prorrogação de registros.

Assim, a transição desses novos pedidos que serão depositados após a implementação do Protocolo não se dará a partir de valores cheios, mas sim daqueles honorários já reduzidos que são praticados atualmente pela grande maioria dos escritórios.

Mas o trabalho dos agentes não se limita a fazer depósitos de novos pedidos e prorrogação de registros. P serviço vai muito além, cobrindo toda uma área para qual a inteligência e a experiencia são indispensáveis e insubstituíveis.

O primeiro e maior exemplo é o serviço de busca de anterioridade, com o qual o Cliente já tem uma boa noção das chances de sucesso de seu projeto de registro de marca.

Se é verdade que o Protocolo irá favorecer as empresas que depositam pedidos no Brasil, então, por decorrência, teremos um aumento no número de processos no INPI e, por conseguinte, uma possiblidade ainda maior de colidência entre todas essas marcas.

O subproduto dessa operação é, obrigatoriamente o aumento no número de processos judiciais que serão propostos para remediar esses conflitos.

A matemática é relativamente simples nesse caso. Se mesmo com a realização de buscas prévias e todos os demais cuidados profissionais dispensados pelos agentes brasileiros existe um determinado número de processos judiciais, então a conclusão é que sem esses dois predicados, o total de ações judiciais só tende a aumentar, o que significará maior trabalho na esfera contenciosa.

Mas toda essa engenharia depende de um bom funcionamento de nosso INPI, pois quanto mais atrativo (e fácil de operar) for o processo de registro via Protocolo em nosso país, então mais empresas lançarão mão desse expediente para proteger suas marcas localmente.

Se, por outro lado, não houver uma modernização nos procedimento adoptados pelo INPI, o ânimo das empresas estrangeiras continuará baixo e assim, além da redução das receitas com a perda dos depósitos, a comunidade de profissionais que trabalha com P.I não se beneficiará com a implantação desse sistema.

O melhor exemplo de nosso destino deveria ser o México que aproveitou a introdução do sistema internacional do registro de marcas para modificar determinados procedimentos internos e preparar o país para a nova realidade imposta pelo Protocolo, na qual os pedidos e prorrogações são feitos diretamente, mas o trabalho intelectual continua em poder os profissionais mexicanos.

Tendo feito considerações sobre os quatro grupos que, numa escala ou outra irão ter algum tipo de benefício com a introdução do sistema de Madrid, não se pode deixar de mencionar que a sociedade brasileira, como um todo, também tem muito a lucrar com algo que, à primeira vista, parece estar restrito somente à área da propriedade intelectual.

Mas, adaptação a mudanças não é algo simples assim.

Saber lidar com as alterações que são exigidas da sociedade é um diferencial muito importante no desenvolvimento do país e, nesse sentido, o Protocolo é somente mais uma etapa desse constante processo de evolução de nossa sociedade.

Quando países desenvolvem sua capacidade de adaptação, eles se tornam mais ousados para adotar soluções eficazes e enfrentar todos os obstáculos que se colocam no caminho de seu progresso.

E para ilustrar essa possibilidade de se retirar resultados positivos de uma mudança que, num primeiro momento aparenta ser negativa, vale examinar o fenômeno ocorrido na cidade de Qinqdao, na província de Shandong, na China.

Com a adesão da China, em 1995, ao sistema internacional do registro de marcas, o governo a cidade de Qingdao celebrou um memorando de entendimentos com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), pelo qual as duas partes concordaram em realizar pesquisas conjuntas para identificar dificuldades que as indústrias locais estavam encontrando para tirar proveito do Sistema de Madrid.

Portanto, nesse primeiro momento, a adesão ao Protocolo parecia ser algo negativo e que não estava contribuindo para o desenvolvimento das empresas locais.

Na ocasião realizou-se um questionário que foi distribuído a 1.200 empresas locais. Também foram feitas pesquisas com 800 representantes de empresas de várias áreas distintas e ainda 60 entrevistas pessoais com os maiores produtores da região.

De posse do resultado de todos esses dados, os administradores de Qingdao se reuniram com os representantes técnicos da OMPI e formularam um plano de ação através do qual a cidade iria convergir esforços para incrementar a produção e exportação de produtos “Created in China”.

Uma das conclusões do relatório é que a reestruturação e transformação do antigo modelo de produção da China (“Made in China”), não mais atendia a estratégia de se firmar como um país competidor numa época de revolução tecnológica.

Contra esse pano de fundo, o governo local promoveu marcas como um meio estratégico de capacitar empresas, alavancar inovações criativas e transformar a economia da Cidade.

Paralelamente, incentivou-se empresas locais a desenvolverem marcas de exportação impulsionando a competitividade de seus produtos e ajudando empresas chinesas a tornarem-se globais.

O resultado é que no período de 2010 a 2015, as exportações das empresas sediadas em Qingdao aumentaram 38% (trinta e oito porcento), indo de U$ 33 bilhões para U$ 46 bilhões.

Nesse mesmo período os pedidos de registro internacionais das empresas de Quigdao depositados através da OMPI passaram de 15 para 811.

Não havendo, assim, qualquer dúvida de que o grande aumento do número de registros obtidos pelo sistema de Madrid serve como importante indicador para o desenvolvimento da economia voltada para a exportação das empresas dessa cidade.

Feitas as ponderações acima e com a ilustração do exemplo de proatividade dos governantes de Quigdao, fica a sugestão de que as repercussões, tanto positivas como negativas da adesão do Brasil ao Protocolo de Madrid estão em nossas próprias mãos.

PDF Download: Revista ASPI, nº 4 – Agosto, páginas 12 – 15
http://www.montaury.com.br/images/artigos/2019-11-14-revista-aspi/revista-aspi-ed-04-email.pdf

 

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