Supremo deve consolidar e trazer segurança jurídica ao sistema de patentes
STF discute ação que desconsidera os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais.
Após mais de 20 anos de vigência da Lei 9.279/96 e com grande risco de comprometer o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o Supremo Tribunal Federal (STF) está em vias de decidir sobre o prazo mínimo de vigência de uma patente no Brasil, que foi criado em razão da própria desídia do Estado.
O principal argumento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.529 é o de que o parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI) parece deixar o prazo da patente indeterminado, afetando supostos direitos de terceiros.
Além de tratar apenas de aspectos hipotéticos da indústria farmacêutica[1], a tese da ADI desconsidera os compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais e omite o contexto fático e histórico da norma, em particular, a necessidade de se dar efetividade à proteção temporária do inventor nos termos estabelecidos no artigo 5º, inciso XXIX da CR, garantindo um prazo mínimo de vigência da patente para contrabalançar os prejuízos causados pelo notório backlog[2] do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Após intensas discussões e longo período de tramitação, a opção legislativa na elaboração do artigo 40[3] da LP foi deixar a legislação nacional mais consentânea com o Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados a Comércio (Trade Related Intelectual Property Rights Agreement – TRIPS), promulgado pelo Decreto nº 1355/1994, notadamente seus artigos 33 e 62, e com a própria CR, que fez do privilégio temporário do inventor uma garantia individual de matriz constitucional (artigo 5º, inciso XXIX).
Vê-se, portanto, que o parágrafo único do art. 40 da LPI, diante da inadequação da norma do antigo CPI e da hipótese fática concreta de inescusável delonga causada pelo atraso no exame dos pedidos pelo INPI, estabeleceu um prazo mínimo razoável e merece uma interpretação conforme à Constituição.
Ou seja, é possível considerar que, não sendo a patente um benefício gratuito concedido pelo Estado (que passa a deter o conhecimento técnico a partir da revelação da invenção pelo inventor), a previsão de um prazo mínimo de proteção é o resultado legal constitucionalmente correto para satisfazer o interesse público na pesquisa, e, ao mesmo tempo, recompensar o esforço e investimento do inventor, mantendo o ciclo virtuoso do incentivo à invenção para o progresso de toda a sociedade.
Nesse sentido, o prazo mínimo de garantia de proteção não visa alongar a proteção do monopólio sobre os respectivos inventos, mas oferecer efetiva proteção contra amora do Estado, que poderia, de outra forma, esvaziar uma garantia constitucional do administrado.
Nem se diga que o Brasil está isolado em estipular normas de garantia mínima de proteção por patente. O México editou nova lei federal de proteção à propriedade industrial, prevendo, em seus artigos 126 a 136, a possibilidade de ajuste do prazo da patente, através de um certificado complementar, caso haja um atraso injustificado no processamento da patente diretamente atribuível ao Instituto de patentes local.
A China também está em processo de alteração de sua legislação de propriedade industrial para reforçar a proteção de patentes relacionadas a medicamentes, com a criação de regras (i) para ajuste de prazo (patent term adjustment – PTA) de patente concedidas após quatro anos a partir do depósito e três anos a partir do pedido de exame de mérito, (ii) para extensão de prazo em compensação ao tempo despendido com a aprovação regulatória, (iii) para linkage[4].
Ademais, a presente discussão não tem qualquer efeito, impacto ou relação com à pandemia do Covid-19, como tem sido sustentado por algumas entidades na referida Adi 5529 e ecoado em recente petição do PGR sobre um pedido cautelar tardio de suspensão dos efeitos da norma após mais de 20 (vinte) anos de sua vigência e de impactos incalculáveis, inclusive para empresas nacionais e entidades públicas. Essa associação com a Covid é injustificada e apenas tem o potencial de induzir em erro.
Na realidade, a resistência da indústria farmacêutica nacional de genéricos ao sistema de patente vigente não é assunto novo. Desde a discussão do anteprojeto que originou a LPI, entidades como ALANAC e ABIFINA, já dedicavam seus esforços contra a adoção de patentes no Brasil, se valendo dos mesmos argumentos de reserva de mercado às multinacionais e aumento de preço dos remédios, supostamente afetando o consumidor.
Contudo, o parágrafo único não se destina apenas ao setor farmacêutico. Patentes do setor químico, elétrico, mecânico, metalúrgico, têxtil, de petróleo, mineração, da biotecnologia aplicável ao agronegócio e engenharia civil igualmente foram concedidas ao longo desses anos de plena vigência da LPI, com base na regra legal de 10 anos da sua concessão, nos termos do § único do artigo 40 da LPI. Esses setores da economia têm se mostrado extremamente relevantes para a economia nacional e merecem a garantia da proteção conferida pelo dispositivo legal atacado e a salvaguarda de outros princípios constitucionais, como o direito adquirido e a segurança jurídica.
Empresas brasileiras, como Petrobrás, Vale, Embraer, Natura, Tigre, Klabin detêm, juntas, aproximadamente 60 (sessenta) patentes que se enquadrariam no prazo do art. 40, parágrafo único, e podem ser sobejamente afetadas.
Universidades Públicas[5] e empresas estatais, que representam 24% dos depositantes de patentes nacionais em 2017, também teriam seus direitos afetados pela declaração de inconstitucionalidade.
Outro aspecto relevante é a importância de se consolidar o sistema de patentes já vigente, com a garantia aos investidores da devida segurança jurídica para que haja a manutenção ou, até mesmo, um aumento no fluxo de investimentos, tão necessários num momento de extrema crise econômica causada pela pandemia.
Portanto, não se pode perder o foco de que a discussão proposta ao Supremo repete os mesmos argumentos que foram democraticamente afastados pelo Legislador à época da elaboração da LPI e se limita apenas a um dispositivo que confere ao administrado proteção contra a morosidade, desídia ou retardo do próprio Estado, o qual, se descartado do ordenamento jurídico vigente, inviabilizará a proteção constitucional aos inventores.
Hoje, os ativos imateriais ocupam local central na economia globalizada e a Propriedade Industrial se torna cada vez mais determinante nas relações internacionais, sendo imprescindível a utilização dos seus instrumentos de proteção e gestão como meio de geração de riquezas para as nações.
Nesse sentido, a improcedência se justifica, não só por questões jurídicas, mas igualmente pela necessidade de ser ter, no cenário nacional, um ambiente seguro para sediar transações envolvendo ativos intangíveis, viabilizando a chamada “Economia do Conhecimento”.
[1] Sem considerar, portanto, a amplitude envolvida no tema e que a carta patente é um contrato social entre o inventor, acerca de sua invenção tecnológica com resultados econômicos e aplicabilidades industrias, e a Sociedade, por meio do qual se transfere todo o conhecimento técnico objeto da invenção aplicável em qualquer área da indústria para todo aquele que, passado o período de exclusividade do titular, desejar utilizar esse conhecimento para produzir e comercializar produto com o invento.
[2] Demora no exame e concessão de uma patente em razão do estoque de pedidos pendentes no INPI.
[3] Revogando o prazo insuficiente antes conferido pelo artigo 24 da Lei nº 5.772/71 (CPI), que ensejou a concessão de patentes denominadas “natimortas”.
[4] Regra de integração entre a aprovação regulatória do produto para fins de comercialização e o direito de patente.
[5] A Universidade de São Paulo (USP) possuiu 180 (cento e oitenta) patentes e 44 (quarenta e quatro) pedidos; a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) tem 240 (duzentos e quarenta) patentes e 44 (quarenta e quadro) pedidos; e a Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) detém 110 (cento e dez) patentes e 40 (quarenta) pedidos entre outras(https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/unicamp-lidera-ranking-de-instituicoes-brasileiras-em-no-de-pedidos-de-patentes-ineditos-e-promissores.ghtml).
Fonte: JOTA - Acesse o artigo aqui | Download PDF