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Deus Ex Machina vence no TRF-2 disputa por marca

Segundo relator, a inserção de “Brasil” não garante distintividade suficiente à marca.

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) acolheu o pleito da empresa australiana Deus Ex Machina Motorcycles e declarou a nulidade de seis registros no Brasil da marca “Deus Ex Machina” e de oito da “Deus Brasil Ex Machina”. A decisão, unânime, é da 2ª Turma Especializada.

O acórdão chama a atenção porque é crescente, no país, o número de ações judiciais ajuizadas para pedir a anulação de registros de marcas. Conforme levantamento da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), foram apresentados 585 novos processos no ano de 2022. No ano passado, 670.

Os registros analisados pelo TRF-2 foram realizados por sócio da Shit Face Indústria e Comércio de Confecções e Artigos Esportivos, empresa paulista ativa desde 1989. Quando investidores brasileiros decidiram trazer a marca australiana voltada à customização de motos e vestuário ao Brasil, no ano de 2020, ficaram surpresos com os registros. Tentaram negociar um acordo. Sem sucesso, resolveram ir ao Judiciário.

Na ação, a Deus Ex Machine (expressão em latim que significa Deus surgido da máquina), representada pela advogada Mariana Valverde, alegou que “a ré Shit Face tem como conduta registrar marcas estrangeiras no Brasil sem qualquer intenção de uso, para depois exigir vantagem econômica indevida para transferir os direitos que detém, inadvertidamente concedidos pelo réu INPI”.

Para Mariana, os registros da Shit Face foram realizados com má-fé e atrapalham os investimentos no país. “O Brasil perde investimentos por falta de segurança jurídica”, diz a advogada.

Já a Shit Face, representada pela advogada Eliana de Almeida, contestou que, diferentemente do que a australiana informava, a marca não era conhecida no Brasil, e que a sua divulgação por meio de publicidade começou após a empresa brasileira registrá-la no país.

No TRF-2, os desembargadores confirmaram sentença da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que considerou como imitação as marcas registradas no Brasil. O entendimento foi o de que afrontaria o disposto nos artigos 124, XXIII, e 126, “caput” e parágrafos, da Lei nº 9.279/1996, a Lei da Propriedade Industrial (LPI).

Segundo o relator, o desembargador Wanderley Sanan Dantas, as provas apresentadas no processo (em especial, a gravação de uma conversa) foram suficientes para demonstrar que a empresa brasileira tinha conhecimento de que a autora da ação era titular da marca “Deus Ex Machina” em outros países.

O magistrado destaca, em seu voto, que a inserção de “Brasil” não garante distintividade suficiente à marca. Isso porque a legislação de propriedade industrial tem como objetivo proteger o consumidor desatento, incapaz de distinguir detalhes pequenos nas etiquetas de produtos ou saber os detalhes das sociedades empresariais no mercado.

“A marca ‘Deus Brasil Ex Machina’ cria a impressão de se tratar de uma filial brasileira da empresa internacional, causando associação indevida, pelo que não pode ser permitida a coexistência de marcas semelhantes no mesmo segmento comercial, nos termos do artigo 124, XXIII, da LPI”, diz Dantas (apelação cível nº 5076368-92.2020.4.02.5101).

Na opinião da especialista em propriedade intelectual Luciana Minada, sócia do Kasznar Leonardos, o caso em questão “contribui para reflexões acerca da importância de as empresas manterem um constante monitoramento do mercado e de seu nicho de atuação”.

Segundo ela, para as empresas estrangeiras, o planejamento da expansão de suas atividades para outros países (incluindo o Brasil) não pode negligenciar a proteção de suas marcas e de seus ativos intangíveis, “sob pena de enfrentarem problemas futuros como a necessidade de judicialização”.

David Fernando Rodrigues, do Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello, considera essa decisão de extrema importância para o cenário de negócios e investimentos estrangeiros no Brasil. Sinaliza, acrescenta, que essas empresas encontrarão aqui a tão almejada segurança jurídica. “Felizmente, têm se tornado cada vez mais comuns em nossos tribunais”, afirma.

Rodrigues lembra que, até meados dos anos 90, muitas empresas buscavam suas “ideias” de marcas no exterior e as registravam aqui como se fossem suas. “Com o ressurgimento do Brasil como um importante ator geopolítico e a consequente entrada de investimentos de empresas estrangeiras no país, essas disputas tornaram-se frequentes, cabendo ao titular original da marca o ônus de comprovar a titularidade de um registro obtido indevidamente por nacionais”, diz.

Há importantes precedentes que demonstram essa tendência do Poder Judiciário em anular tentativas de reprodução de marcas mundialmente conhecidas. Rodrigues lembra dos casos da marca de calçados All Star (REsp 903354) e da marca de confecções Speedo (REsp 2061199), “recuperadas após longas e custosas disputas judiciais”.

O Brasil, afirma o advogado, tende a ser mais atraente para empresas que planejam expandir suas operações em mercados emergentes. “Isso melhora sua posição em acordos comerciais, especialmente em setores dependentes da propriedade intelectual, gerando criação de empregos, desenvolvimento econômico e integração do Brasil no cenário global de negócios.”

 

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