STJ e links patrocinados: nova interpretação da responsabilidade dos provedores

A responsabilidade dos provedores de conteúdo digital por conteúdos publicados em suas plataformas é um tema complexo e controverso, especialmente quando analisado sob a égide do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014 — MCI).

O referido dispositivo, inserido na legislação em 2014, determina que provedores de aplicações de internet não podem ser responsabilizados por danos decorrentes de conteúdos gerados pelos seus usuários, uma vez que atuam como meros intermediários.

O objetivo do mencionado artigo é assegurar a plena liberdade de expressão no ambiente online, estabelecendo, no entanto, limitações mínimas de responsabilidade ao provedor. Ele estipula que, mesmo não sendo responsável pelo conteúdo em si, o provedor deve, mediante ordem judicial específica, remover o conteúdo reconhecido como infrator.

Portanto, embora os provedores de conteúdo sejam responsabilizados pelos conteúdos veiculados por terceiros em suas plataformas, eles só serão obrigados a agir após notificação sobre o reconhecimento da ilegalidade pelo Judiciário, sob pena de, então, serem responsabilizados por omissão.

Dentre as inúmeras discussões levantadas sobre os limites desta responsabilidade, destaca-se a questão dos links patrocinados. Estes são anúncios em forma de texto, operados por meio da compra de expressões chaves que, quando buscadas pelo usuário, posicionam o website do contratante em posição privilegiada, no todo dos resultados da pesquisa.

Esta prática, quando bem aplicada, pode gerar excelentes resultados para os contratantes, proporcionando ampla visibilidade ao seu site sempre que o usuário busca pela palavra-chave adquirida. Entretanto, o uso inadequado desta ferramenta pode acarretar prejuízos para terceiros, especialmente quando a palavra-chave adquirida corresponde à marca registrada de um concorrente, o que configura prática de concorrência desleal, conforme amplamente reconhecido pela jurisprudência pátria.

Sob esta premissa, consolidou-se a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet, segundo a qual a aquisição de marca registrada de terceiro, que atua no mesmo ramo de atividade, como palavra-chave para um link patrocinado, constitui uma prática ilícita, porém, sem responsabilização do provedor do serviço, a menos que este falhe em remover o conteúdo infrator após ordem judicial neste sentido.

Nova interpretação sobre os links patrocinados

Todavia, uma decisão recente proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe uma nova interpretação quanto à aplicabilidade do artigo 19 do MCI nos casos de infrações de direito de marca ocorridos através de contratação de links patrocinados; e quanto à impossibilidade de venda de marcas registradas como palavras-chave. Ambos os aspectos se referem ao uso do serviço na mais conhecida destas plataformas, o Google Ads.

Neste passo, a Turma deu parcial provimento, de forma unânime, ao Recurso Especial nº 2.096.417 — SP, que abordava a utilização da marca “Promen” na referida plataforma.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que “[…] na análise da responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de concorrência desleal no mercado de links patrocinados, não é o conteúdo gerado no site patrocinado que origina o dever de indenizar, mas a forma que o provedor de pesquisa comercializa seus serviços publicitários ao apresentar resultados de busca que fomentem a concorrência parasitária e confundam o consumidor. Por essa razão, não há que se falar na aplicação do art. 19 do Marco Civil da Internet”.

A relatora inovou ao afastar a aplicação do artigo 19 do MCI, entendendo que a relação entre o Google e o contratante do serviço de link patrocinado é de natureza contratual, configurando uma relação privada firmada entre a plataforma e o anunciante.

Nesse contexto, o Google teria controle ativo sobre as palavras-chaves comercializadas, o que torna tecnicamente viável evitar a violação de propriedade intelectual, não ensejando necessidade de “monitoramento em massa”, mas sim uma “maior diligência por parte dos provedores de pesquisa no momento de ofertar serviços de publicidade”.

Essa nova interpretação caracteriza os mecanismos de busca como fornecedores de serviços de publicidade digital e não meros hospedeiros de conteúdo gerado por terceiros, implicando em responsabilidade solidária destes pelos atos de concorrência desleal.

Além disso, é importante destacar que no mesmo julgamento reconheceu-se a necessidade de limitar a proibição de transacionar marcas registradas no formato de links patrocinados, condicionando tal vedação a situações de concorrência direta.

Assim, a fornecedora de serviços publicitários, como o Google, só precisaria interromper a comercialização de palavras-chaves correspondentes a marcas registradas, caso os contratantes sejam concorrentes do titular do ativo intangível. No caso de empresa atuante em ramo diverso, em regra, não haveria ilicitude.

Para Nancy Andrighi, “[…] a determinação judicial não deve ser para que o agente publicitário se abstenha de realizar qualquer tipo de anúncio relacionado à marca que teve seu direito violado. Isso porque a própria empresa detentora da marca ou outras com o mesmo nome, mas que atuem em nichos distintos, podem utilizar da plataforma de comércio digital para anunciar seus serviços, sem fazer uso de meios desleais”.

Princípio da especialidade

A base para tal entendimento está, em regra, no Princípio da Especialidade, segundo o qual, os limites da exclusiva conferida a uma registro concedido encontra limite em sua especificação, isto é, nos produtos ou serviços identificados pela marca objeto do registro.

Tal princípio encontra respaldo no artigo 123, I, da Lei nº 9.279/96 (LPI)1, e tem como objetivo afastar o risco de confusão por parte dos consumidores acerca de produtos e serviços disponíveis no mercado.

Para Denis Barbosa2:

Um dos princípios básicos do sistema marcário é o da especialidade da proteção: a exclusividade de um signo se esgota nas fronteiras do gênero de atividades que ele designa. Assim se radica a marca registrada na concorrência: é nos seus limites que a propriedade se constrói. “Stradivarius”, para aviões, não infringe a mesma marca, para clarinetes: não há possibilidade de engano do consumidor, ao ver anunciado um avião, associá-lo ao instrumento musical.”

Excetua-se à regra do precedente os casos que envolverem marcas de alto renome, que, quando reconhecidas, conferem ao seu titular proteção em todos os ramos de atuação.

Infelizmente, este esperado precedente não encerra as discussões relativas ao tema, deixando em aberto a definição do intitulado “concorrente direto”, que balizará a aplicação da limitação acima destacada.

Ora, em verdade, o conceito de “concorrente direto” acaba por ser muito etéreo, sobretudo quando considerada a pluralidade de ramificações mercadológicas que uma única empresa pode explorar.

Hoje em dia, uma empresa pode vir a atuar em múltiplos nichos sob uma mesma marca, possuindo registros concedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) nas mais diversas classes, identificando uma miríade de produtos e serviços.

Logo, a decisão acima explanada constitui marco importante e impõe possível mudança de conduta às plataformas que disponibilizam o serviço links patrocinados, sendo certos seus reflexos no julgamento de casos futuros. Entretanto, as discussões acerca do tema ainda não findaram, e múltiplas são as possibilidades interpretativas do precedente.

1 Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se: I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

2 Barbosa, Denis Borges. A Especialidade das Marcas, 2002. Acesso em: 08/04/2024. Disponível em: www.dbba.com.br/wp-content/uploads/a-especialidade-das-marcas-2002.pdf.

 

Fonte:

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