Direitos Autorais e Internet
Ao longo dos últimos vinte anos, a internet consolidou-se mundialmente como um novo e importante meio de difusão de informações...
1. Os direitos autorais na internet no Brasil
Ao longo dos últimos vinte anos, a internet consolidou-se mundialmente como um novo e importante meio de difusão de informações, recebendo dia após dia cada vez mais destaque na vida cotidiana, passando a ocupar uma posição privilegiada que antes pertenceu a outros meios de comunicação, como o rádio e a televisão.1
A natureza da internet permite que usuários possam publicar textos, sons, imagens ou vídeos em espaços geridos por outros indivíduos, entidades ou empresas, e esses conteúdos podem causar prejuízos morais ou materiais à terceiros, motivo pelo qual houve a preocupação de regular o tema da responsabilidade civil dos danos causados por conteúdo gerado por terceiro pelo chamado Marco Civil da Internet.2
Ocorre que, apesar da validade de tal preocupação, a Lei nº 12.965/2014 excepcionou de seu âmbito de incidência à violação a direitos autorais e conexos, determinando, ainda, em seu artigo 19, § 2º e em seu artigo 31, que tais violações continuariam a ser disciplinadas pela legislação autoral vigente na data de sua entrada em vigor.
No Brasil, a exclusividade do autor sobre sua obra é considerada como direito fundamental ao lado de outros dispositivos que tratam da forma pela qual uma obra intelectual deve ser protegida, uma vez que se encontra no rol dos direitos e garantias fundamentais previsto pelos incisos do artigo 5º da Constituição Federal.
Além disso, o direito autoral é regulado pela Lei nº 9.610/1998, a qual estabelece em seu artigo 1º que estão compreendidos sobre a noção de direitos autorais, os direitos de autor – aqueles conferidos ao criador de uma obra artística, literária ou científica – e os direitos conexos – conferidos aos artistas, intérpretes, executantes, produtores fonográficos e empresas de radiodifusão.3
Nesse sentido, cabe mencionar que, de acordo com o professor Carlos Bittar, o conteúdo dos direitos autorais é integrado por dois conjuntos de prerrogativas morais e pecuniários do autor com a sua obra, sendo estes conhecidos como direitos morais e direitos patrimoniais.4
Os direitos morais do autor nascem com a simples materialização da obra e podem ser definidos como vínculos perpétuos que unem o criador à sua obra, cujas características fundamentais são: a pessoalidade, a perpetuidade, a inalienabilidade – prevista no artigo 27 da Lei nº 9.610/1998, e a impenhorabilidade.
Já os direitos patrimoniais do autor podem ser definidos como um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, no caso concreto, se manifestam por meio do poder do autor de colocar ou não a sua obra em circulação.
Além disso, segundo o professor Carlos Bittar, tais direitos patrimoniais possuem como características fundamentais – além da mencionada manifestação do poder do autor – o fato destes serem considerados como bens móveis, alienáveis, temporários e prescritivos, nos termos dos artigos 3º, 29, 49, 41, 96 e 76 da Lei nº 9.610/1998.5
A Lei de Direitos Autorais vigente foi promulgada no final da década de 1990, apenas quatro anos após a criação da internet no Brasil, com a introdução da internet como um serviço de valor adicionado, sobre o qual não haveria monopólio do governo;6 e do estabelecimento de um órgão regulador da internet no País, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br).7
Por essa razão, a lei atual não abrange em seu texto legal a responsabilidade civil dos intermediários por violações de direitos autorais cometidas por terceiros nem se sua responsabilidade decorreria da notificação extrajudicial por parte do interessado ou a partir de ordem judicial, mas, apenas, que a transmissão e a retransmissão de obras realizadas mediante violação aos direitos autorais e conexos deve ser retirada do ar imediatamente, veja-se:
- Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro
Além disso, os artigos 102 a 104 da Lei nº 9.610/1998 determinam que é responsável civilmente por violação de direitos autorais aqueles que, de forma fraudulenta, reproduzam, divulguem, editem, vendam ou de qualquer forma utilizem obra de titularidade de outrem, sem autorização.
Com isso, alguns consideram que tal disposição seria insuficiente para o combate à infrações de direitos autorais na internet e, em conjunto com o Marco Civil, teria criado uma lacuna legislativa sobre o tema de proteção dos direitos autorais na internet, enquanto outros defendem que apesar da revisão da Lei de Direitos Autorais não ter ocorrido ainda, tal lacuna é perfeitamente preenchida pelo Código Civil (arts. 186 e 187) e pela Lei de Direitos Autorais (arts. 101 a 110).8
À vista disso, é possível concluir que cada corrente de pensamento acima descrita tem certa porcentagem de razão, uma vez que a legislação atual é clara quanto à forma de responsabilização civil de sites cujo próprio administrador é o responsável pela inserção de conteúdos na plataforma, como é o caso do site
2. A Responsabilidade civil dos provedores de aplicação por conteúdo gerado por terceiro
Durante a discussão do Projeto de Lei que resultou no Marco Civil da Internet, primeiro pensou-se em punir o gestor da plataforma por qualquer conteúdo nela postado por terceiro, fazendo com que o provedor de aplicações de internet se tornasse juiz infalível, ou caso quisesse se proteger de fato, agir como censor e retirar sem questionamentos conteúdos de seus usuários mediante qualquer reclamação de terceiros.9
No entanto, responsabilizar um provedor de aplicações da internet indiscriminadamente seria como determinar a morte da inovação e da própria internet como a conhecemos, pois ninguém desejaria prover serviços em um ambiente jurídico que punisse uma sociedade empresária por um fato cometido por outrem.
Num segundo momento, analisou-se a possibilidade de responsabilizar o provedor de aplicações somente se ele tivesse conhecimento inequívoco da ilegalidade de um conteúdo publicado por um usuário, ou ainda, da possibilidade de que ele causasse danos a um terceiro, sendo que tal conhecimento inequívoco poderia ser obtido por meio de uma notificação extrajudicial, por exemplo.
Com a evolução do tema, nasceu uma terceira hipótese, na qual o usuário seria totalmente responsável pelos conteúdos que publica, sem qualquer penalização da plataforma que hospeda o conteúdo. Tal hipótese geraria excessivo monitoramento dos usuários de suas manifestações públicas e privadas e, portanto, a necessidade de controle de acesso em websites criando, assim, um cenário de criminalização da internet como o proposto pelo PL Azeredo10 que tanto se desejava afastar.11
Outra possibilidade de regulação aventada em meio às discussões foi a proveniente do chamado Notice and takedown norte-americano, no qual uma notificação extrajudicial bastaria para ensejar a possibilidade de responsabilização pela não remoção de conteúdo que violem direitos autorais, mas, com a manutenção da necessidade de uma ordem judicial para a retirada de conteúdos de outras naturezas, como violações a direitos da personalidade.12
Por fim, foi debatida a possibilidade de responsabilizar um provedor de aplicações por conteúdo gerado por terceiro apenas se desobedecesse a uma decisão judicial que determinou a remoção do conteúdo tido como ilegal, sanando todos os problemas apresentados pelas alternativas propostas anteriormente.
Dessa forma, o projeto seguiu para debate e aprimoramento, sendo, ao final, aprovado com essa última proposta de regulação da responsabilidade civil de conteúdo gerado por terceiro13 – responsabilidade civil subjetiva subsidiária.
Nesse sentido, convém ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou quanto ao tema em questão quando da análise do Recurso Especial nº 1.512.647/MG,14 no qual determinou que o provedor de aplicações de internet Google não seria responsável civilmente de forma objetiva pelo conteúdo infrator inserido na plataforma Orkut – a controvérsia do caso cingia-se sobre suposta comercialização de cursos na antiga rede social Orkut.
À vista disso, é possível concluir que as disposições do Marco Civil quanto à responsabilidade civil de provedor de aplicações podem ser, sim, aplicadas às infrações de direitos autorais quando estas são cometidas por terceiros e não pelos administradores dos sites em que as infrações são encontradas, não gerando, de fato, lacuna legal sobre a temática.
3. A proposta de reforma da legislação autoral compatível com o Marco Civil da Internet
Entre 2007 e 2009, o Ministério da Cultura promoveu uma série de debates públicos sobre direitos autorais, com o intuito de recolher opiniões para iniciar uma reforma na Lei de Direitos Autorais vigente, seguindo-se de uma consulta pública sobre a proposta de reforma do Ministério da Cultura que recebeu mais de 8.000 (oito mil) contribuições, no ano de 2010.15.
Da análise de tal proposta ministerial, é possível concluir que o Ministério da Cultura considerou todo o debate daquela sobre o projeto da atual Lei nº 12.965/2014, pois apesar da redação da atual Lei de Direitos Autorais ter sido mantido, o Ministério da Cultura propôs a criação de um artigo 105-A para tratar especificamente da retirada de conteúdos no ambiente digital.16
Tanto é assim que o caput do artigo 105-A de tal proposta determinava que os provedores de aplicações de internet seriam responsáveis por infrações de direitos autorais apenas se não tornassem indisponíveis o suposto conteúdo infrator em prazo razoável após a notificação dos titulares de tal conteúdo.17
Ao caput do novo artigo 105-A, seguiam-se oito parágrafos, que, por sua vez, além de estarem alinhados com os debates do Marco Civil da Internet determinavam algumas obrigações que hoje já são feitas, espontaneamente, por diversos players do mercado, com o fim de proteger direitos autorais de forma mais efetiva.18
Como por exemplo, a primeira delas seria a obrigatoriedade dos provedores de aplicações de internet de constituírem um canal eletrônico para comunicação das notificações e contranotificações; a segunda estabelecia requisitos de validade para notificação feita pelo titular de direitos autorais; e a última equiparava os usuários com poderes de moderação aos provedores.19
Assim, é possível concluir que, paralelamente, ao debate do Marco Civil da Internet vigente, surgiu uma proposta legislativa que era totalmente compatível com o novo regramento da internet no Brasil, e que não deixaria qualquer suposta lacuna legislativa sobre a responsabilização de intermediários por conteúdo infrator à direitos autorais. No entanto, até o momento, tal proposta não foi sequer enviada para análise do Congresso Nacional.
4. Considerações Finais
Partindo-se da hipótese de que a Lei nº 12.965/2014 não conferiu menor proteção aos direitos autorais ao ser omissa quanto à responsabilização daqueles que os infringem e delegar tal tarefa à reforma de uma lei que, anos depois, ainda não saiu do papel, é possível concluir que o artigo 19, § 2º da Lei nº 12.965/2014, as previsões do Código Civil e da atual Lei de Direitos Autorais conseguem suprir satisfatoriamente tal lacuna, uma vez que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais poderão balizar seu entendimento nas três mencionadas leis, concomitantemente, aplicando a que for melhor para a situação fática.
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Fonte: Revista da ABPI ( julho 2018 a agosto 2018) - https://www.montaury.com.br/images/artigos/2019-02-15-direitos-autoriais-internet/revista-abpi-ana-carolina-da-silva-jan-2019.pdf